Wednesday, May 31, 2006

 

PEDRO E MIGUEL


Pedro e Miguel eram dois irmãos. O Pedro era mais velho que o Miguel quatro anos. Tinham irmãs, com quem gostavam de brincar, mas aborreciam-se porque do que elas mais gostavam era brincar com as bonecas. E eles não gostavam muito de bonecas. Gostavam, sobretudo, de correr, jogar à cabra-cega, lutar com espadas de madeira, e andar a cavalo. Desde muito novos foram habituados a andar a cavalo. Quando já eram mais crescidos gostavam de participar em caçadas com o pai e com os amigos do pai. O pai deles era o príncipe João, que mais tarde passou a ser o rei João Sexto, quando a mãe dele, a avó do Pedro e do Miguel morreu.

As caçadas em que participavam eram feitas a cavalo, e eles caçavam veados e raposas, sobretudo, em coutadas do reino, com a ajuda de matilhas de cães que perseguiam os animais a caçar, fazendo um alarido muito grande:

Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au!

O latido dos cães só abrandava quando o animal que os cães perseguiam era apanhado por eles. O Pedro e o Miguel ficavam sempre entusiasmadíssimos com a oportunidade de ver de perto e tocar as raposas e os veados apanhados. Também os alegrava muito ouvir o som das trompas que davam início à corrida, e eram um sinal para se soltarem os cães e todos os caçadores avançarem pelos trilhos combinados.

Muitas vezes, quando ainda eram muito pequenos, o Pedro e o Miguel faziam de conta que eram caçadores e cães ao mesmo tempo, e corriam atrás das irmãs, e de amigos, como se estivessem na tapada:

Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au!

Os que eram apanhados tinham que se deitar imediatamente, ganhava quem apanhasse mais amigos. Normalmente ganhava o Pedro, porque era o mais velho, tinha mais força, e as pernas maiores.

Eram corridas que os deixavam vermelhos de cansaço. Um dia o Pedro, depois de uma destas corridas estafantes, sentiu-se muito mal, e chamaram o médico.

O médico disse que o Pedro não poderia fazer esforços violentos porque sofria de uma doença que não tinha cura, uma doença que os médicos, naquele tempo, não sabiam muito porque acontecia. De repente, sem qualquer razão que se percebesse, o Pedro não conseguia manter-se de pé e contorcia-se como se quisesse ou fosse obrigado a dar uma volta sobre ele mesmo. Quando isto acontecia, o Pedro não conseguia ouvir nem falar com ninguém. Era uma doença muito estranha, que deixava os pais muito preocupados, e o irmão, e as irmãs dele também. Também ficavam muito preocupados os que habitavam no palácio, e o encontravam frequentemente. O Pedro, porque era o filho mais velho do príncipe João, um dia seria rei e não era bom que um rei, sem se saber porquê, de um momento para o outro, não conseguisse ouvir nem falar e se contorcesse todo à vista de toda a gente.

Mas o Pedro, logo que se sentia bem, esquecia a doença e voltava a correr e a saltar com o irmão Miguel, as irmãs, e os amigos que os visitavam.

Um dia, tinha o Pedro nove anos e o Miguel cinco, chegou ao palácio onde eles moravam uma notícia que deixou muito preocupados os pais deles, o príncipe João e a Dona Carlota: as tropas de Napoleão, que já tinham invadido a Espanha, preparavam-se para invadir Portugal.

O Napoleão era um militar, um general francês, que tinha conseguido tornar-se Imperador em França depois de ter conquistado muitos países da Europa. Os reis europeus, naturalmente, não gostavam dele. Onde o Napoleão entrava saía o rei que mandava. Mas, por outro lado, havia muita gente que gostava do Napoleão porque não gostava dos reis que tinham. Em Portugal também havia pessoas que não gostavam do príncipe João, que era quem mandava em Portugal porque a mãe dele, a raínha Maria, estava maluca.

Quem também não gostava nada do Napoleão eram os amigos do príncipe João, e entre esses amigos contavam-se os reis ingleses. De modo que, quando chegaram as notícias de que as tropas do Napoleão queriam entrar em Portugal, os ingleses disseram ao príncipe João que o melhor para ele e para Portugal, era a família do rei e os seus amigos embarcarem em barcos que os levassem até ao Brasil.

O Brasil tinha sido encontrado pelos navegadores portugueses, comandados pelo Pedro Cabral, no tempo do rei Manuel, o Sortudo. Era um país muito grande com muito pouca gente, do outro lado do mar, do lado onde o sol mergulha nas águas do oceano e começa a noite. O príncipe João nunca tinha ido ao Brasil, naquele tempo não havia aviões, quem queria ir ao Brasil tinha de ir de barco. A viagem de barco para o Brasil era muito demorada, os barcos não eram nada confortáveis, muitos passageiros enjoavam com as ondas, às vezes havia tempestades, era muito pouco agradável fazer a travessia do oceano para chegar ao outro lado. O príncipe João, quando lhe disseram para embarcar para o Brasil, porque assim as tropas do Napoleão não poderiam prendê-lo, teve muitas dúvidas e pediu algum tempo para pensar. Pensou, pensou, pensou, e chegou à conclusão que era bem melhor atravessar o mar num barco, mesmo que não tivesse as comodidades a que ele estava habituado no palácio, do que deixar-se prender pelos militares do Napoleão. Chamou a Dona Carlota, e disse-lhe:

- Carlota, manda preparar as malas porque vamos viver para o Brasil por uns tempos.

- Por quanto tempo, João, podes dizer-me? Preciso de saber se tenho de levar roupa para uma semana ou para um mês, ou dois.

- Carlota, temos de levar a roupa toda que possa caber no barco. Vamos ficar lá muito tempo.

E começaram a preparar as malas para a viagem.

O Pedro e o Miguel ficaram entusiasmadíssimos com a perspectiva de uma viagem de barco, e logo uma viagem tão longa.

- Podemos levar as canas de pesca? – perguntaram os dois ao príncipe João.

- Não vale a pena porque há canas de pesca a bordo, os navegadores nunca se esquecem dessas coisas.

E, um dia, a família real e os amigos todos embarcaram em barcos que os levaram até ao Brasil. Nos barcos, durante a viagem, houve uma grande confusão, alguns barcos perderam-se e chegaram mais tarde.

Quando o Pedro e o Miguel desembarcaram no Brasil não fazia muito calor, eles acharam mesmo que a temperatura não era muito diferente daquela a que estavam habituados em Lisboa. Alguns dias depois, no entanto, ficaram a saber que, normalmente, no Brasil faz muito mais calor do que em Portugal e que também costuma chover muito, mesmo quando há calor. Por causa do calor e das chuvas frequentes, as árvores também são diferentes assim como muito diferentes são os pássaros que eles observavam e ouviam com uma curiosidade enorme.

O Pedro e o Miguel já tinham visto papagaios em Lisboa, de cores muito garridas, vermelhos, verdes, amarelos, com os bicos curvados, muito diferentes daqueles que eles viam nas pombas e nos pardais em Portugal. Mas, enquanto os papagaios que eles tinham visto em Lisboa estavam presos a um poleiro e não podiam voar, ali, no Brasil, voavam livremente de umas árvores para as outras, em bandos enormes, fazendo uma gritaria fantástica.

O Pedro gostava muito de ver os pássaros a voar, o Miguel lamentava-se por não os poder agarrar e amarrá-los a um poleiro, como vira em Lisboa. E desta diferença de gostos entre ter os papagaios nas mãos ou de vê-los a voar resultou a primeira desavença séria entre os dois irmãos.

Um dia, o Miguel pediu ao Macário, que era um empregado que trabalhava no Palácio, que lhe apanhasse um papagaio, dos maiores que conseguisse agarrar, de penas azuis e amarelas, se possível. O Macário não percebeu porque queria o Miguel um papagaio se tinha tantos a voar nas árvores do jardim do palácio, mas obedeceu ao pedido do Miguel e apanhou uma linda arara, um papagaio enorme que palrava lindamente. E palrava, porque as araras quando querem dizer alguma coisa umas às outras parece que falam como nós, quando falamos muito.

O Miguel, ficou muito contente por ter uma arara nas suas mãos, e deu-lhe o nome de Carlota, que era o nome da mãe dele. Ia o Miguel colocar a Carlota num poleiro, amarrada por uma corrente, quando o Pedro apareceu. A Carlota, que não percebia porque razão estava o Miguel a tentar colocar-lhe uma anilha no pé esquerdo para a poder prender, quando o Miguel olhou para o Pedro, a Carlota deu uma bicada na mão do Miguel, que a prendia, e voou para uma árvore muito alta ao mesmo tempo que parecia que gritava:

- Liberdade! Liberdade! Liberdade!

Enquanto o Miguel chupava no dedo por causa das dores da bicada, o Pedro ria-se a olhar o voo da arara.

Ficaram zangados um com o outro e, a partir desse dia, passaram a discordar sempre que discutiam acerca de liberdade, tanto das araras como das panteras, tanto dos homens como dos outros bichos. O Miguel queria-os num imenso zoo; o Pedro queria-os em liberdade a caminhar, a correr, a nadar, e a voar.

Até que um dia se soube no Brasil que os soldados do Napoleão tinham sido derrotados e obrigados a voltar a França. Nessa altura, o princípe João já era o rei João Sexto, e o seu filho Pedro seria o futuro rei. Como os franceses já tinham ido embora, o rei João Sexto voltou para Portugal e deixou o Pedro no Brasil a dirigir o governo.

Como as araras, os brasileiros, também não gostavam de estar amarrados a Portugal, e alguns deles foram dizer isso mesmo ao Pedro. E o Pedro pensou:

- Se as araras são muito mais vistosas a voar do que amarradas, os brasileiros também ficarão mais contentes se não estiverem ligados a Portugal. E até voarão melhor. Já se sabe que os brasileiros não voam, mas era como se voassem.

E um dia disse:

- Liberdade para o Brasil! Viva o Brasil independente! Viva!

E, dizendo isto, tornou o Brasil independente de Portugal, o que quer dizer que cortou as ligações que os prendiam um ao outro, e tornou-se o primeiro Imperador do Brasil, que é uma espécie de rei, mas maior, o Imperador Pedro Primeiro do Brasil.
Mas como o Imperador Pedro Primeiro sofria de uma doença muito grave, morreu quando ainda era muito novo. Sucedeu-lhe o seu filho, o Imperador Pedro Segundo, que viveu muitos anos e foi um grande imperador de um grande país: o Brasil.

O Brasil é hoje um dos maiores países do mundo e todos os brasileiros falam a mesma língua, a língua dos portugueses.
E as araras, a voar, palram quando querem cantar; as araras, se estão presas, palram para protestar.



Monday, May 22, 2006

 

JOSÉZITO

O menino José, o Josézito, era muito traquinas. Gostava muito mais de brincar do que estudar. O pai dele, o rei João Número Cinco, era muito rico, tinha recebido muito ouro do Brasil, e com esse ouro tinha mandado construir um Convento enorme, onde rezavam muitos frades, que é uma espécie de padres da igreja que vivem sempre dentro das paredes do Convento onde moram. O Convento é tão grande que tem os maiores sinos do mundo, segundo dizem, não posso garantir.

O Josézito gostava muito de brincar ao faz-de-conta.

Josézito, já te tenho dito que não é bonito andares a enganar-me…, era o que se dizia, naquele tempo, mas não sabemos bem se era a propósito deste Josézito ou a propósito de outro Josézito qualquer. Mas podia muito bem ser a propósito deste, porque ele sempre gostou muito de jogar ao faz-de-conta.

Quando o Josézito já tinha 36 anos, já não era mais Josézito mas o José, passou a ser o rei de Portugal. Era uma pessoa muito importante, porque tinha recebido uma herança muito grande de seu pai, mas o País de que ele era rei, tinha-se atrasado bastante relativamente aos outros países europeus, e era preciso recuperar desse atraso.

Mas o rei José não sabia por onde começar. Coçou a cabeça para conseguir alguma ideia, mas só lhe saiu uma ideia da cabeça, por acaso brilhante: como não tinha ideias acerca do que deveria ser feito para melhorar o País, porque sempre tinha jogado ao faz-de-conta, lembrou-se que o melhor era chamar alguém que tivesse boas ideias.
E chamou o Sebastião.
Não o rei Sebastião, porque já se sabe, esse tinha desaparecido a combater no Norte de África, mas um homem, também chamado Sebastião, que tinha viajado pela Europa, e, portanto, devia saber alguma coisa acerca de como governar bem o que está ser mal governado. O que prova mais uma vez que os nomes não fazem com as pessoas sejam melhores ou piores: o rei Sebastião perdeu porque não sabia muito bem o que fazia, este Sebastião venceu porque sabia muito bem o que deveria ser feito.
Foi essa a sua ideia brilhante do rei José, talvez a única, mas mais vale uma que nenhuma, não é?

- Sebastião, a partir de hoje passas a ser o meu primeiro-ministro, passas a dar ordens, faz o que entenderes para governares bem este País, que está muito precisado disso, e já sabes, tu governas mas faz-de-conta que sou eu a governar, entendido?

- Entendido, majestade!

E, a partir desse dia, o José não teve mais com que se preocupar, apesar de terem apatrecido preocupações de toda a maneira e feitio: incêndios em hospitais, num dos Palácios, no Palácio do Bispo, num paiol, que é onde se guardava a pólvora para as espingardas e para os canhões, e, como se todos esses incêndios não bastassem para preocupar o Sebastião Primeiro-Ministro, um dia a terra tremeu tanto em Lisboa que o mar veio para cima da terra, muitas casas caíram, muita gente ficou debaixo das casa caídas: um desastre como nunca se vira.

O Palácio onde morava o rei José também tremeu com o terramoto, assim se chama o tremor de terra quando é muito violento, e o rei disse logo ao Sebastião:

- Sebastião, tens de me arranjar uma casa que não caia em cima de mim nem da minha família, e vê lá se andas depressa porque eu não vou mais para aquele Palácio, prefiro dormir na rua.

- Vou tratar do assunto, majestade! Imediatamente.

E tratou. Mandou fazer uma grande tenda de pano muito forte e disse ao rei José:

- Majestade, o seu novo Palácio está pronto a habitar.

O rei foi ver a tenda, avaliou da resistência do pano e das canas que o sustentavam, e disse:

- Muito bem, Sebastião. Agora vai tratar de resolver os problemas dos outros que perderam as suas casas.

E o Sebastião, com a ajuda de arquitectos, de construtores, e do povo, reconstruiu a cidade de Lisboa.

Um dia, quando o rei José ia a caminho de uma das suas aventuras, alguém disparou uns tiros que o feriram numa perna. Quem foi, quem não foi, depois de algum tempo concluíram que os tiros tinham sido disparados por uns fidalgos, conhecidos do rei José, que não gostavam das suas aventuras.

E o Sebastião fez-de-conta que o rei José queria que os tais fidalgos desaparecessem e o Sebastião fez com que eles desaparecessem. Daí em diante ninguém mais se atreveu a estar em desacordo com o rei José. E o Sebastião passou a fazer tudo o que queria porque tudo, fazia-de-conta, era o rei José quem mandava fazer.

E fez muitas, muitas coisas. Portugal recuperou bastante do atraso que tinha relativamente aos outros países da Europa e passou a ser mais respeitado.
Os reis de Espanha, que continuavam a querer Portugal, acabaram por assinar um acordo onde se comprometiam a não mais importunar os portugueses.

Quando o rei José deixou de ser rei, porque morreu, o Sebastião deixou de poder fazer-de-conta que era o rei José quem mandava. Como já não o queriam para governar, o Sebastião retirou-se para o campo para cultivar flores e frutos.

- De que gostas mais, Sebastião?

- De cerejas, respondia o Sebastião. Aparecem com a Primavera, faz-de-conta que anunciam o renovar do mundo.



Sunday, May 21, 2006

 

O JOÃO E O SEBASTIÃO


O rei Sebastião tinha ido ao Norte de África para conquistar muitas terras mas foi derrotado e desapareceu. Como o rei Sebastião não tinha filhos, nem netos, nem sobrinhos, o tio Filipe, que era o rei de Espanha, disse:

- O rei Sebastião não apareceu nem vai aparecer, portanto sou eu o rei de Portugal a partir de agora. A mãe do rei Sebastião, a Joana, é minha irmã e eu casei-me com uma irmã do pai do rei Sebastião, a Maria. Sou tio do rei Sebastião duas vezes: uma pelo lado da minha irmã, outra pelo lado da minha mulher.

Era mesmo assim naqueles tempos, há mais de 420 anos: quando um rei desaparecia sem deixar descendentes, filhos, netos, ou sobrinhos, quem ficava com a coroa era o parente mais próximo. Neste caso o parente mais próximo era o tio Filipe.

O tio Filipe era muito rico, no seu Império havia sempre Sol, quando o Sol se escondia no mar ou atrás dos montes em um qualquer lugar do Império do tio Filipe estava nesse mesmo instante a aparecer noutro lugar do seu Império.

Um grande Império, no entanto, dá muito trabalho a defender. As pessoas nem sempre estão satisfeitas, reclamam, revoltam-se, e, portanto, é muito difícil manter um grande Império em paz. Quando se pensa que não há problemas, que tudo está muito controlado, muito sossegado, começa a guerra. Foi o que aconteceu com o Império do tio Filipe. De vez em quando havia revoltas em algumas partes do Império. Um dia o tio Filipe morreu e sucedeu-lhe o seu filho, o tio Filipe Segundo, mas os problemas com o governo do Império continuaram: de vez em quando havia quem se revoltasse por não estar contente por pertencer ao Império do tio Filipe Segundo. Quando o tio Filipe Segundo morreu, sucedeu-lhe o seu filho, o tio Filipe Terceiro, mas os problemas continuaram. Entre os povos que não gostavam nada de pertencer ao Império do tio Filipe Terceiro, e que queriam ser independentes, isto é, ter rei um que fosse só de cada um deles, estavam os Países Baixos, a Catalunha, e Portugal.

Um dia, quando os povos da Catalunha se revoltaram, os amigos do João foram ter com ele a Viçosa, no Sul de Portugal, que era onde ele tinha nascido, e onde ele morava, e disseram-lhe:

- João, os da Catalunha estão a revoltar-se, é esta a melhor altura de nos revoltarmos também e tornar-mos a ter o nosso próprio rei. Com a revolta da Catalunha, por um lado, e um grande descontentamento nos Países Baixos, por outro, o tio Filipe terceiro não vai ter possibilidade nenhuma de enfrentar os da Catalunha, os dos Países Baixos, os de Portugal, todos ao mesmo tempo. Quem tem muitos povos para combater, alguns terá de deixar para trás. Nós achamos que o tio Filipe vai querer combater, mais que tudo, a revolta dos povos da Catalunha.

- Também acho, disse o João, mas tenho de pensar no assunto. Se vocês não se importam, voltaremos a falar nesse assunto mais tarde. Agora tenho aí umas composições musicais que gostaria de terminar.

O João tinha nascido em Vila Viçosa e era descendente do rei Manuel, o tal que teve muita sorte, o sortudo. Mas isso já tinha sido há muito tempo, o Império do rei Manuel tinha acabado por ir ter às mãos do tio Filipe, uma vez que o rei Sebastião tinha desaparecido, sem ter filhos, nem netos nem sobrinhos.

Quando era pequeno do que o João mais gostava, além de andar a cavalo e à caça, por montes e vales, era ouvir música. Mais tarde passou a gostar também de escrever música. E escreveu mesmo algumas com valor artístico. O pai dele era o duque de Bragança. Um duque é um parente do rei, a quem o rei tinha dado terras em recompensa dele o ter ajudado. E assim como o filho mais velho do rei, em princípio, sucedia ao pai, também o filho mais velho do duque sucedia ao pai dele. O João, quando sucedeu ao pai, tornou-se duque de Bragança. Como ainda era descendente do rei Manuel, os amigos foram ter com ele para ser ele o rei se a revolta que contavam fazer fosse bem sucedida.

Passado algum tempo, depois de os amigos do João o terem visitado para o convidar a ser o novo rei de Portugal, voltaram os mesmos amigos a Vila Viçosa, e disseram-lhe:

- João, tem paciência, nós sabemos que adoras música, gostas de andar a cavalo, de caçadas, e de boas refeições, mas não podemos esperar muito mais tempo. O tio Filipe Terceiro anda ocupado a combater os povos da Catalunha, que se revoltaram, de modo que temos de nos revoltar nós também, expulsar a duquesa de Mântua de Portugal, que é quem representa o tio Filipe Terceiro aqui em Portugal, e também vamos expulsar o Miguel de Vasconcelos, que é o Secretário dela, é um homem detestável, ninguém gosta dele, provavelmente pegamos nele e jogamo-lo pela janela fora, que achas?

O João, duque de Bragança, coçou a cabeça ao ouvir aquelas palavras, ele não estava lá muito certo se seria uma boa escolha revoltarem-se os portugueses e expulsarem a duquesa e o amigo dela, o Miguel.

(Os nomes das pessoas são mesmo assim: Há pessoas que têm um nome e são boas pessoas, simpáticas, tudo bem, e outras que, com o mesmo nome, são precisamente o contrário. O Miguel Cervantes, por exemplo, foi um dos maiores escritores de todos os tempos. E era espanhol. O Miguel de Vasconcelos era um patife. Mas a generalidade dos Miguéis são boas pessoas e, às vezes, muito importantes.)

Mas, como íamos a contar, o João, duque de Bragança, continuava com dúvidas se devia ou não aceitar o desafio que os amigos lhe colocavam.
Quando estes viram que continuavam as hesitações na cabeça do João, disseram-lhe:

- João, vamos agora mesmo para Lisboa, corremos com a duquesa de Mântua e com o Miguel de Vasconcelos. Seguidamente declaramos que tu és o nosso novo rei. Valeu?

- Concordo, respondeu o João.

Os amigos do João saíram imediatamente a galope para Lisboa. Já era noite, estava muito frio, porque já era o último dia do mês de Novembro, e no mês de Novembro é Inverno, de noite, então, o frio é ainda mais difícil de suportar.

Galoparam toda a noite para chegarem de manhã a Lisboa, os movimentos da corrida aqueciam os músculos dos cavalos mas arrefeciam os corpos dos cavaleiros. Fizeram apenas uma paragem numa estalagem para jantarem um cozido de couves e batatas com carnes de porco; os cavalos descansaram ao mesmo tempo que comeram a palha que lhes deram, e beberam água suficiente para o resto da caminhada.

Atravessaram o rio de Tejo em duas barcaças, e quando o Sol apareceu por detrás deles a dar-lhes os bons dias, tinha passado menos de uma hora desde que tinham iniciado a travessia do tio, já estavam reunidos todos os homens com que tinham combinado assaltar o Paço para expulsar a duquesa de Mântua, o Miguel de Vasconcelos e os outros representantes do tio Filipe Terceiro.

Quando a duquesa de Mântua soube quais eram as intenções dos conspiradores, ficou muito zangada e disse:

- Daqui não saio, a não ser por obediência a ordens do nosso rei Filipe Terceiro!

Respondeu-lhe um dos conspiradores, ainda mais zangado:

- Minha senhora, pedimos-lhe que saia por aquela porta para não nos obrigar a faze-la sair pela janela.

Pensou a duquesa de Mântua que o homem que assim falava era muito capaz de fazer o que dizia, e saiu pela porta a caminho do Paço do tio Filipe Terceiro, em Madrid, para lhe dar conta do que se tinha passado. O Miguel de Vasconcelos, conforme tinha sido previsto, foi atirado pela janela à rua e deve ter ficado bastante magoado.

Expulsos de Portugal os representantes do tio Filipe Terceiro, o João, duque de Bragança, foi aclamado rei de Portugal. Passou a ser o rei João Quarto, o rei João Primeiro também tinha sido convidado pelo povo de Lisboa a ser rei de Portugal, e também ele tinha lutado, com a ajuda do seu amigo Nuno, pela independência de Portugal.

O rei João Quarto foi rei de Portugal durante dezasseis anos, durante os quais teve de lutar pela independência de Portugal, uma vez que o tio Filipe Terceiro não gostou mesmo nada que os amigos dele tivessem expulso a duquesa de Mântua de Portugal, e jogado pela janela fora o Miguel de Vasconcelos. Também teve de lutar pela reconquista de alguns territórios que pertenciam a Portugal e que tinham sido ocupados por outros durante o tempo em que tinham governado Portugal os tios Filipe Primeiro, Filipe Segundo, e Filipe Terceiro.

E, até hoje, Portugal continuou a ser um País independente, um dos países do Mundo que é independente há mais tempo.







Monday, May 15, 2006

 

SEBASTIÃO VENCE TUDO, VENCE TUDO


O Sebastião ainda era um menino pequenino, tinha três anos, apenas, e já era rei de Portugal.

Como era ainda muito pequenino, já se disse que tinha só três anos de idade, quem mandou em Portugal , em seu lugar, foi a avó Catarina, durante cinco anos, até ao dia em que ela disse que estava muito cansada, que não queria continuar a dizer o que devia ser feito e o que não devia ser feito, e passou a mandar em Portugal o tio-avô de Sebastião que se chamava Henrique e que era Cardeal.

Um Cardeal da Igreja é assim como um príncipe, veste-se de vermelho, e é por isso que há pássaros vermelhos que também se chamam cardeais.

Como a avó Catarina era quem mandava, e depois passou a mandar o Henrique, o Cardeal, o Sebastião brincava com os amigos que o visitavam no Paço onde ele vivia.

O Sebastião e os amigos gostavam muito de brincar. Brincavam às escondidas, ao rei manda, corriam pelos parques do Paço, às vezes saíam para caçar, mas como eram pequenos faziam de conta que caçavam mas não caçavam nada. Às vezes caçavam borboletas com uma rede. Mas o que o Sebastião mais gostava era de ir à Igreja assistir à missa. Era muito religioso.

Do que o Sebastião não gostava era de estudar. Os seus amigos também não gostavam muito de ler, nem de escrever, nem de contar. Quando o Sebastião já tinha doze anos, os amigos dele diziam-lhe que ele iria ser um grande comandante, iria combater aqueles que também gostavam de ir a outras igrejas mas que eram muito diferentes daquelas onde ele costumava ir. E andavam sempre a dizer-lhe:

O Sebastião é o maior!
O Sebastião é o nosso herói!
Estamos contigo, Sebastião!

Havia mesmo quem tivesse começado a cantarolar umas rimas que começavam assim:


Sebastião vence tudo, tudo, tudo,
Sebastião vence tudo o que quiser!

Tantas vezes ouviu o Sebastião ao amigos dele dizerem-lhe isto, que o Sebastião convenceu-se que era mesmo invencível, que poderia vencer tudo e todos, que seria um herói. E também se convenceu que para ser isso tudo, um herói invencível, não precisava de estudar muito, que lhe bastava saber ler, escrever e contar até mil. E isso, ele sabia.

De modo que, quando fez treze anos disse o Sebastião para o tio-avô Henrique, o Cardeal:

- Tio Henrique, no próximo ano vou fazer catorze anos, já sei ler, escrever e contar até mil, os meus amigos acham que eu já sei tudo o que é preciso para ser rei e comandante, que vou ser um herói a lutar contra os muçulmanos que, como o Tio Henrique sabe muito bem, são aqueles que têm igrejas diferentes das nossas e adoram um deus que não é o nosso, e, portanto, devem ser combatidos. Por tudo isto, tio Henrique, a partir do próximo ano, no dia 20 de Janeiro, quem vai passar a mandar sou eu, porque nesse dia, dia de São Sebastião, que foi o dia em que eu nasci, vou ser coroado rei.

O tio Henrique não podia opor-se aos desejos do Sebastião, porque ele era o rei, só não mandava porque não tinha idade para isso, mas agora que ele dizia que estava preparado, não havia remédio se não dizer-lhe:

- Com certeza Sebastião, vamos começar amanhã mesmo os preparativos para a coroação e serás tu a mandar a partir do dia de São Sebastião do próximo ano. Entretanto, talvez fosse bom que estudasses um pouco mais de astronomia e álgebra, são coisas que fazem sempre falta para quem queira combater os árabes, eles são muito entendidos nesses assuntos. Também devias aprender um pouco de geometria, de geografia, de história…e claro de teologia, mas de teologia já tens aprendido alguma coisa quando vais à igreja.

- Tio Henrique, não vou estudar mais nada, o que já estudei chega e sobra para eu poder ser um herói invencível. Tudo que tenho de fazer é treinar mais equitação, manejo de espada, e exercício físico. Preciso de ter uns músculos bem fortes. O resto, tio Henrique, é bom para os teólogos como o tio Henrique, mas não para mim que quero lutar pela nossa santa igreja nos campos de batalha vencendo os inimigos da nossa Fé.

- E onde pensas tu, Sebastião, combater os inimigos da Fé?

- Na Índia, tio Henrique!

- Na Índia, Sebastião? Tu sabes onde fica a Índia?

- Eu não sei mas tenho amigos que sabem, tio Henrique.

- Sebastião, os amigos são importantes, mas para além de confiares nos amigos tens de confiar em ti próprio. E para confiares em ti próprio tens de saber muita coisa. Geografia, por exemplo. A geografia ensina-te onde ficam na Terra as terras conhecidas. Por isso te digo, aprende geografia! e astronomia, para saberes guiar-te a ti a e aos teus homens pelas estrelas, quando for noite e não houver qualquer outro modo de saber por onde fica o caminho certo. Temos um grande matemático e astrónomo que pode dar-te umas lições. Chama-se Pedro Nunes. Sei que ele gostaria muito de te ensinar alguma coisa do muito que ele sabe.

- Tio Henrique, conheço muito bem o senhor Pedro Nunes. Já tive algumas lições com ele mas não entendo nada do que ele diz. É muito complicado. O que ele ensina não tem qualquer interesse para combater os muçulmanos.

- É preciso muito tempo para se aprenderem certas coisas, Sebastião. E só depois de as termos aprendido conseguimos perceber para que servem e a utilidade que podem ter para um comandante que queira ser um herói invencível.

- Todos os heróis são invencíveis, tio Henrique, não são?

- Ninguém é invencível, Sebastião. A história mostra-nos que não há heróis invencíveis. Também devias estudar história.

O tio Henrique não conseguiu convencer o Sebastião a tomar lições de astronomia, geografia e outras matérias importantes. Os amigos do Sebastião, por outro lado, continuavam a cantar:

Sebastião vence tudo, tudo, tudo,
Sebastião vence tudo o que quiser!

Alguns outros, no entanto, receando que tanto entusiasmo poderia trazer dissabores para o Sebastião, cantavam, por sua vez:

Sebastião não sejas tão façanhudo!
Podes vencer mas também podes perder.

Nesta discussão entre ir ou não ir para a guerra, ganharam os primeiros. Ganharam aqueles que queriam ir para a guerra, queriam que o Sebastião declarasse guerra e que fossem combater aqueles que eles consideravam os seus inimigos.

Depois de se treinarem em Portugal, fizeram algumas corridas de cavalos pelos montes do Norte de África. As pessoas que ali viviam olhavam para eles sem perceberem porque razão vinham do outro lado do mar aqueles jovens fazer correrias de cavalos nos seus campos, assustando os homens e as mulheres que encontravam no caminho.

Um dia, tinha já o rei Sebastião vinte e quatro anos, disse ele para os seus amigos:

- Já é tempo de irmos para a guerra.

- Na Índia?, perguntou um deles.

- A Índia é muito longe. Por quê ir até à Índia se temos tantos inimigos nossos aqui tão perto, do outro lado do mar. Já lá estivemos várias vezes, conhecemos o terreno, será mais fácil derrotá-los aqui do que em terras mais distantes, não acham?, disse um deles e os outros concordaram.

O rei Sebastião acabou também por concordar e logo, naquele instante, foi decidida a data em que deveriam atravessar o mar para ir para a guerra.

Quando os árabes que viviam do outro lado do mar souberam que o rei Sebastião e os seus amigos se preparavam para os atacar, reuniram-se e um deles disse:

- Temos sido muitas vezes vencidos porque nunca nos defendemos unidos. Se nos unirmos todos venceremos quem nos atacar.

Os outros concordaram e quando o rei Sebastião apareceu para os combater com as suas tropas os árabes deixaram que eles entrassem nos seus territórios até um local chamado Alcácer-Kibir. Pensava o rei Sebastião que afinal a conquista de tantas terras era muito fácil porque os seus donos não apareciam para as defender, e continuou a sua caminhada despreocupado e satisfeito com a aventura.

Tendo o rei Sebastião e as suas tropas entrado pelas terras dos muçulmanos, ficaram longe do mar e o sol começou a aquecer de uma forma que eles não estavam habituados. O rei Sebastião tinha feito umas correrias a cavalo com os seus amigos, sempre bem perto da praia onde o calor não era tão elevado, mas não conheciam os terrenos por onde andavam daquela vez.

Com tanto calor e a atravessar terrenos que nunca tinham visto antes, seria quase impossível vencer os muçulmanos que vieram defender as suas terras com muito mais armas e muito mais homens que os portugueses.

O rei Sebastião não tinha querido ouvir aqueles que lhe tinham sugerido que as vitórias se conseguem com a força mas também, e sobretudo, com a inteligência, o saber, o conhecimento. E que os heróis, quando não são heróis à força, que também os há, têm de preparar muito bem as aventuras em que se metem para as poderem vencer.

E que também é necessário saber não avançar quando as condições não permitem que se possa avançar com possibilidade de ganhar.

Quando alguns amigos do rei Sebastião, vendo que não havia nenhuma possibilidade das tropas portuguesas vencerem os muçulmanos, porque estavam exaustas com a caminhada e com o calor e se encontravam no meio de terrenos que não conheciam, recomendaram ao rei Sebastião que melhor seria não avançar e recuar o rei Sebastião disse muito irritado:

- Os heróis não recuam! E avançou mais e mais.

Os muçulmanos, que tinham chegado junto dos portugueses formando uma figura como uma meia-lua à volta deles, atacaram com muita força e determinação porque estavam a defender as suas terras, conheciam muito bem todos aqueles lugares e estavam habituados ao calor. E venceram, envolvendo na meia-lua os portugueses que ficaram aprisionados no meio deles.

Os portugueses foram derrotados e humilhados, e o rei Sebastião avançou pelas tropas muçulmanas dentro embora alguns dos seus amigos lhe tivessem recomendado, ainda a tempo e mais uma vez, para recuar. Sempre muito teimoso, o rei Sebastião não quis seguir os conselhos que os outros lhe davam e desapareceu no meio daqueles que ele considerava seus inimigos.
Durante muito tempo se aguardou, em Portugal, pelo regresso do rei Sebastião. Ele tinha dito que nunca regressaria derrotado, e cumpriu. Nunca mais regressou. O mais provável é que tenha morrido na batalha. Não como um herói mas como um teimoso.

Sebastião vence tudo, tudo, tudo?
Sebastião só não vence se perder.
Para vencer é que estudo
A maneira de vencer.

Monday, May 08, 2006

 

A COROA DO REI MANUEL

Rei Manuel, rei Manuel, tens uma coroa de papel!

Não era verdade.

A coroa do rei Manuel era das mais ricas do mundo no tempo em que o rei Manuel viveu. E também não havia, ou não era conhecido o papel na Europa, no tempo em que ele foi rei. Em vez de papel, que hoje usamos e é tão vulgar ver-se por toda a parte em livros, cadernos, jornais, na casa de banho, no tempo do rei Manuel os documentos eram escritos em folhas que não eram do papel que conhecemos hoje.

Mas como ia dizendo, o rei Manuel foi um rei muito rico, mas também muito sortudo. Chamaram-lhe o rei Venturoso porque teve muita sorte, hoje já não se usa muito a palavra venturoso, as palavras como as pessoas vão ficando velhotas, e de vez em quando são substituídas por outras, à escolha de cada pessoa que as usa. Assim uma pessoa com muita sorte, uma pessoa a quem acontecem coisas boas que ela não esperava, era no passado chamada uma pessoa venturosa, hoje diz-se que ela era uma pessoa felizarda, mas os mais jovens dizem que ela era uma sortuda.

E porque é que o rei Manuel foi um sortudo?

O rei Manuel foi um sortudo porque quando ele era pequenino, acabado de nascer, ninguém pensava que ele pudesse vir um dia ser rei. O rei Manuel, a quem lhe perguntasse o que é que queria ser quando fosse crescido, ele teria dito que queria ser um fidalgo da corte, talvez capitão de um navio, talvez um descobridor de outras terras, de encontrar outras gentes, na Índia, por exemplo.

No tempo em que o rei Manuel ainda era pequeno falava-se muito na Índia. Depois de os navegadores portugueses terem descoberto que podiam passar para o lado de lá do continente africano, que não havia nenhum mostrengo no fundo mar que os impedisse de lá chegar por mar, o rei João Segundo mandou preparar uma armada para ir até à Índia.

Mas antes da armada estar pronta para ir para a Índia o rei João Segundo sentiu-se muito doente e, por não ter filhos da rainha Leonor, tinham tido um que morrera por causa de um acidente, nomeou Manuel, que era irmão da rainha Leonor, futuro rei de Portugal. E, deste modo, o Manuel que nunca pensara que poderia ser rei, de um dia para outro não só foi rei como foi rei de um reino que, naquela época, começava a ser muito importante e rico.

Apenas três anos depois de o rei Manuel ter sido aclamado rei de Portugal,

(Viva o rei! Viva o rei!)

os barcos portugueses, comandados por Vasco da Gama, chegaram à Índia, e a partir daí começaram as viagens para cá e para lá, trazendo coisas da Índia, que não existiam na Europa, e que os europeus gostavam muito: tecidos muito ricos, canela e pimenta, nós moscada, coisas a que hoje não damos muito valor, porque entretanto se tornaram mais vulgares, mas que naquele tempo, no tempo do rei Manuel, custavam muito dinheiro.

As relações dos portugueses com os indianos foram, então, tão importantes que os portugueses chegaram a fundar um império português na Índia. Lisboa, a capital de Portugal, que era de onde saíam os barcos para essas viagens, tornou-se muito rica, e o rei Manuel, por ser o rei de um país tão pequeno mas que tinha gente que viajava muito e para tão longe, era muito respeitado em todo o mundo.

Mas há mais!

Dois anos depois de Vasco da Gama e os seus marinheiros terem chegado à Índia, o rei Manuel nomeou um outro comandante, o Pedro Álvares Cabral para ir também à Índia mas disse-lhe, em segredo, ao ouvido:

- Pedro, tu vais à Índia mas a meio do caminho fazes um desvio dos barcos da frota para a direita para ver o que é que há por lá. Disseram-me que podes encontrar terra, e, se assim for um dos barcos deve voltar para trás para me dar notícia e tu segues para a frente com os outros, até à Índia.

E o Pedro assim fez. Saiu de Lisboa, navegou, navegou, navegou, e encontrou terra, e nessa terra umas pessoas que viviam de uma forma que ele não estava habituado: andavam sem roupa, colocavam uns penachos na cabeça, pintavam a cara, não sabiam o que os portugueses lhes diziam nem os portugueses os entendiam. Mas os portugueses gostaram da terra aonde tinham chegado, tinha muitas árvores, muitos pássaros que eles também nunca tinham visto, e sentiram-se tão bem que deram a essa terra o nome de Porto Seguro.

Como o rei Manuel lhe pedira para ele enviar para trás um dos barcos da frota com notícias do que tinham achado, o Pedro assim fez. Ele e os outros seguiram para a Índia.

Quando o comandante do barco da armada de Pedro Álvares Cabral, que voltou para trás depois de ter estado na terra a que eles tinham dado o nome de Porto Seguro, foi dar a notícia ao rei Manuel este não pareceu muito surpreendido e mandou dizer ao reis de Espanha que os seus homens tinham encontrado na viagem para a Índia uma terra que ficava do lado que pertencia a Portugal.

Ao mesmo tempo que os portugueses, também os navegadores espanhóis andavam a tentar descobrir outras terras. Um navegador, que não era espanhol e tinha vivido na Ilha da Madeira, fora até a Espanha falar com os reis de Espanha e dissera-lhes:

- O meu nome é Cristóvão, Cristóvão Colombo, tenho vivido na Ilha da Madeira, onde casei com uma portuguesa e temos um filho. Também estive em Lisboa e conheço muito bem o que os navegadores portugueses andam a fazer. Eles, os portugueses, querem ir até à Índia navegando para o lado em que o sol nasce atrás das montanhas, eu sou capaz de ir até à Índia navegando para o lado em que o sol mergulha no mar! É um caminho mais curto, chaga-se lá muito mais depressa.

Os reis espanhóis ouviram o que lhes disse o Cristóvão e, no princípio, não acreditaram muito no que eles lhes estava a dizer, até porque o Cristóvão já tinha falado no mesmo assunto ao rei de Portugal, que na altura era o rei João Segundo, e o rei João Segundo não tinha querido fazer a viagem que o Cristóvão propunha de ir até à Índia navegando para o lado onde o sol mergulha no mar.

Mas, mais tarde, concordaram os reis espanhóis em pagar a viagem que o Cristóvão se propunha fazer.

E seis anos antes do Vasco da Gama chegar à Índia navegando para o lado onde o sol nasce atrás das montanhas, o Cristóvão foi tentar chagar à Índia pelo lado contrário.

O Cristóvão navegou, navegou, navegou atrás do sol e chegou a uma terra e disse para os homens que o acompanhavam:

- Já chegámos à Índia!

Viram uns homens vestidos de uma forma estranha, a que eles não estavam habituados, quase nus, com penachos na cabeça e as caras pintadas e o Cristóvão disse:

- São os índios!

Não eram nada. Eles não tinham chegado á Índia. Onde eles tinham chegado era a uma terra que muitos anos mais tarde viria a chamar-se Estados Unidos da América.

E a terra que o Pedro Álvares Cabral tinha encontrado, e que ficava, do mesmo lado do Oceano mas muito mais abaixo, aquela terra a que ele chamou Porto Seguro, seria mais tarde chamada Brasil.

O Rei de Portugal passou a ter mais terras para juntar ao pequeno País que é Portugal, mais tarde os reis de Espanha vieram a conquistar outras terras também do lado em que o sol mergulha no mar e todos ficaram muito ricos.
Mas o mais importante nesta história toda é que o mundo ficou a ser mais conhecido, todos ficaram a saber qual era o melhor caminho apara a Índia, que havia terras enormes e ricas do outro lado do mar, acabaram as histórias de monstros e mostrengos, não há monstros nem mostrengos que façam mal aos homens, os homens é que às vezes fazem mal uns aos outros, não há monstros maus, o que há é alguns homens maus.
E tudo isto aconteceu no tempo do rei Manuel e dos seus primos espanhóis. Tanto o rei Manuel como os reis de Espanha foram uns sortudos, portanto.

Só tem sorte quem a sorte procura, não é verdade?

É sempre verdade, depende do sítio onde colocamos as vírgulas. Mas isso já é uma história mais complicada.

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