Monday, May 15, 2006

 

SEBASTIÃO VENCE TUDO, VENCE TUDO


O Sebastião ainda era um menino pequenino, tinha três anos, apenas, e já era rei de Portugal.

Como era ainda muito pequenino, já se disse que tinha só três anos de idade, quem mandou em Portugal , em seu lugar, foi a avó Catarina, durante cinco anos, até ao dia em que ela disse que estava muito cansada, que não queria continuar a dizer o que devia ser feito e o que não devia ser feito, e passou a mandar em Portugal o tio-avô de Sebastião que se chamava Henrique e que era Cardeal.

Um Cardeal da Igreja é assim como um príncipe, veste-se de vermelho, e é por isso que há pássaros vermelhos que também se chamam cardeais.

Como a avó Catarina era quem mandava, e depois passou a mandar o Henrique, o Cardeal, o Sebastião brincava com os amigos que o visitavam no Paço onde ele vivia.

O Sebastião e os amigos gostavam muito de brincar. Brincavam às escondidas, ao rei manda, corriam pelos parques do Paço, às vezes saíam para caçar, mas como eram pequenos faziam de conta que caçavam mas não caçavam nada. Às vezes caçavam borboletas com uma rede. Mas o que o Sebastião mais gostava era de ir à Igreja assistir à missa. Era muito religioso.

Do que o Sebastião não gostava era de estudar. Os seus amigos também não gostavam muito de ler, nem de escrever, nem de contar. Quando o Sebastião já tinha doze anos, os amigos dele diziam-lhe que ele iria ser um grande comandante, iria combater aqueles que também gostavam de ir a outras igrejas mas que eram muito diferentes daquelas onde ele costumava ir. E andavam sempre a dizer-lhe:

O Sebastião é o maior!
O Sebastião é o nosso herói!
Estamos contigo, Sebastião!

Havia mesmo quem tivesse começado a cantarolar umas rimas que começavam assim:


Sebastião vence tudo, tudo, tudo,
Sebastião vence tudo o que quiser!

Tantas vezes ouviu o Sebastião ao amigos dele dizerem-lhe isto, que o Sebastião convenceu-se que era mesmo invencível, que poderia vencer tudo e todos, que seria um herói. E também se convenceu que para ser isso tudo, um herói invencível, não precisava de estudar muito, que lhe bastava saber ler, escrever e contar até mil. E isso, ele sabia.

De modo que, quando fez treze anos disse o Sebastião para o tio-avô Henrique, o Cardeal:

- Tio Henrique, no próximo ano vou fazer catorze anos, já sei ler, escrever e contar até mil, os meus amigos acham que eu já sei tudo o que é preciso para ser rei e comandante, que vou ser um herói a lutar contra os muçulmanos que, como o Tio Henrique sabe muito bem, são aqueles que têm igrejas diferentes das nossas e adoram um deus que não é o nosso, e, portanto, devem ser combatidos. Por tudo isto, tio Henrique, a partir do próximo ano, no dia 20 de Janeiro, quem vai passar a mandar sou eu, porque nesse dia, dia de São Sebastião, que foi o dia em que eu nasci, vou ser coroado rei.

O tio Henrique não podia opor-se aos desejos do Sebastião, porque ele era o rei, só não mandava porque não tinha idade para isso, mas agora que ele dizia que estava preparado, não havia remédio se não dizer-lhe:

- Com certeza Sebastião, vamos começar amanhã mesmo os preparativos para a coroação e serás tu a mandar a partir do dia de São Sebastião do próximo ano. Entretanto, talvez fosse bom que estudasses um pouco mais de astronomia e álgebra, são coisas que fazem sempre falta para quem queira combater os árabes, eles são muito entendidos nesses assuntos. Também devias aprender um pouco de geometria, de geografia, de história…e claro de teologia, mas de teologia já tens aprendido alguma coisa quando vais à igreja.

- Tio Henrique, não vou estudar mais nada, o que já estudei chega e sobra para eu poder ser um herói invencível. Tudo que tenho de fazer é treinar mais equitação, manejo de espada, e exercício físico. Preciso de ter uns músculos bem fortes. O resto, tio Henrique, é bom para os teólogos como o tio Henrique, mas não para mim que quero lutar pela nossa santa igreja nos campos de batalha vencendo os inimigos da nossa Fé.

- E onde pensas tu, Sebastião, combater os inimigos da Fé?

- Na Índia, tio Henrique!

- Na Índia, Sebastião? Tu sabes onde fica a Índia?

- Eu não sei mas tenho amigos que sabem, tio Henrique.

- Sebastião, os amigos são importantes, mas para além de confiares nos amigos tens de confiar em ti próprio. E para confiares em ti próprio tens de saber muita coisa. Geografia, por exemplo. A geografia ensina-te onde ficam na Terra as terras conhecidas. Por isso te digo, aprende geografia! e astronomia, para saberes guiar-te a ti a e aos teus homens pelas estrelas, quando for noite e não houver qualquer outro modo de saber por onde fica o caminho certo. Temos um grande matemático e astrónomo que pode dar-te umas lições. Chama-se Pedro Nunes. Sei que ele gostaria muito de te ensinar alguma coisa do muito que ele sabe.

- Tio Henrique, conheço muito bem o senhor Pedro Nunes. Já tive algumas lições com ele mas não entendo nada do que ele diz. É muito complicado. O que ele ensina não tem qualquer interesse para combater os muçulmanos.

- É preciso muito tempo para se aprenderem certas coisas, Sebastião. E só depois de as termos aprendido conseguimos perceber para que servem e a utilidade que podem ter para um comandante que queira ser um herói invencível.

- Todos os heróis são invencíveis, tio Henrique, não são?

- Ninguém é invencível, Sebastião. A história mostra-nos que não há heróis invencíveis. Também devias estudar história.

O tio Henrique não conseguiu convencer o Sebastião a tomar lições de astronomia, geografia e outras matérias importantes. Os amigos do Sebastião, por outro lado, continuavam a cantar:

Sebastião vence tudo, tudo, tudo,
Sebastião vence tudo o que quiser!

Alguns outros, no entanto, receando que tanto entusiasmo poderia trazer dissabores para o Sebastião, cantavam, por sua vez:

Sebastião não sejas tão façanhudo!
Podes vencer mas também podes perder.

Nesta discussão entre ir ou não ir para a guerra, ganharam os primeiros. Ganharam aqueles que queriam ir para a guerra, queriam que o Sebastião declarasse guerra e que fossem combater aqueles que eles consideravam os seus inimigos.

Depois de se treinarem em Portugal, fizeram algumas corridas de cavalos pelos montes do Norte de África. As pessoas que ali viviam olhavam para eles sem perceberem porque razão vinham do outro lado do mar aqueles jovens fazer correrias de cavalos nos seus campos, assustando os homens e as mulheres que encontravam no caminho.

Um dia, tinha já o rei Sebastião vinte e quatro anos, disse ele para os seus amigos:

- Já é tempo de irmos para a guerra.

- Na Índia?, perguntou um deles.

- A Índia é muito longe. Por quê ir até à Índia se temos tantos inimigos nossos aqui tão perto, do outro lado do mar. Já lá estivemos várias vezes, conhecemos o terreno, será mais fácil derrotá-los aqui do que em terras mais distantes, não acham?, disse um deles e os outros concordaram.

O rei Sebastião acabou também por concordar e logo, naquele instante, foi decidida a data em que deveriam atravessar o mar para ir para a guerra.

Quando os árabes que viviam do outro lado do mar souberam que o rei Sebastião e os seus amigos se preparavam para os atacar, reuniram-se e um deles disse:

- Temos sido muitas vezes vencidos porque nunca nos defendemos unidos. Se nos unirmos todos venceremos quem nos atacar.

Os outros concordaram e quando o rei Sebastião apareceu para os combater com as suas tropas os árabes deixaram que eles entrassem nos seus territórios até um local chamado Alcácer-Kibir. Pensava o rei Sebastião que afinal a conquista de tantas terras era muito fácil porque os seus donos não apareciam para as defender, e continuou a sua caminhada despreocupado e satisfeito com a aventura.

Tendo o rei Sebastião e as suas tropas entrado pelas terras dos muçulmanos, ficaram longe do mar e o sol começou a aquecer de uma forma que eles não estavam habituados. O rei Sebastião tinha feito umas correrias a cavalo com os seus amigos, sempre bem perto da praia onde o calor não era tão elevado, mas não conheciam os terrenos por onde andavam daquela vez.

Com tanto calor e a atravessar terrenos que nunca tinham visto antes, seria quase impossível vencer os muçulmanos que vieram defender as suas terras com muito mais armas e muito mais homens que os portugueses.

O rei Sebastião não tinha querido ouvir aqueles que lhe tinham sugerido que as vitórias se conseguem com a força mas também, e sobretudo, com a inteligência, o saber, o conhecimento. E que os heróis, quando não são heróis à força, que também os há, têm de preparar muito bem as aventuras em que se metem para as poderem vencer.

E que também é necessário saber não avançar quando as condições não permitem que se possa avançar com possibilidade de ganhar.

Quando alguns amigos do rei Sebastião, vendo que não havia nenhuma possibilidade das tropas portuguesas vencerem os muçulmanos, porque estavam exaustas com a caminhada e com o calor e se encontravam no meio de terrenos que não conheciam, recomendaram ao rei Sebastião que melhor seria não avançar e recuar o rei Sebastião disse muito irritado:

- Os heróis não recuam! E avançou mais e mais.

Os muçulmanos, que tinham chegado junto dos portugueses formando uma figura como uma meia-lua à volta deles, atacaram com muita força e determinação porque estavam a defender as suas terras, conheciam muito bem todos aqueles lugares e estavam habituados ao calor. E venceram, envolvendo na meia-lua os portugueses que ficaram aprisionados no meio deles.

Os portugueses foram derrotados e humilhados, e o rei Sebastião avançou pelas tropas muçulmanas dentro embora alguns dos seus amigos lhe tivessem recomendado, ainda a tempo e mais uma vez, para recuar. Sempre muito teimoso, o rei Sebastião não quis seguir os conselhos que os outros lhe davam e desapareceu no meio daqueles que ele considerava seus inimigos.
Durante muito tempo se aguardou, em Portugal, pelo regresso do rei Sebastião. Ele tinha dito que nunca regressaria derrotado, e cumpriu. Nunca mais regressou. O mais provável é que tenha morrido na batalha. Não como um herói mas como um teimoso.

Sebastião vence tudo, tudo, tudo?
Sebastião só não vence se perder.
Para vencer é que estudo
A maneira de vencer.

Comments:
Uma maneira prática e suave de ensinar a história de Portugal aos nossos netos.
Eu ainda não os tenho, mas fica o ensinamento.
 
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