Sunday, May 21, 2006

 

O JOÃO E O SEBASTIÃO


O rei Sebastião tinha ido ao Norte de África para conquistar muitas terras mas foi derrotado e desapareceu. Como o rei Sebastião não tinha filhos, nem netos, nem sobrinhos, o tio Filipe, que era o rei de Espanha, disse:

- O rei Sebastião não apareceu nem vai aparecer, portanto sou eu o rei de Portugal a partir de agora. A mãe do rei Sebastião, a Joana, é minha irmã e eu casei-me com uma irmã do pai do rei Sebastião, a Maria. Sou tio do rei Sebastião duas vezes: uma pelo lado da minha irmã, outra pelo lado da minha mulher.

Era mesmo assim naqueles tempos, há mais de 420 anos: quando um rei desaparecia sem deixar descendentes, filhos, netos, ou sobrinhos, quem ficava com a coroa era o parente mais próximo. Neste caso o parente mais próximo era o tio Filipe.

O tio Filipe era muito rico, no seu Império havia sempre Sol, quando o Sol se escondia no mar ou atrás dos montes em um qualquer lugar do Império do tio Filipe estava nesse mesmo instante a aparecer noutro lugar do seu Império.

Um grande Império, no entanto, dá muito trabalho a defender. As pessoas nem sempre estão satisfeitas, reclamam, revoltam-se, e, portanto, é muito difícil manter um grande Império em paz. Quando se pensa que não há problemas, que tudo está muito controlado, muito sossegado, começa a guerra. Foi o que aconteceu com o Império do tio Filipe. De vez em quando havia revoltas em algumas partes do Império. Um dia o tio Filipe morreu e sucedeu-lhe o seu filho, o tio Filipe Segundo, mas os problemas com o governo do Império continuaram: de vez em quando havia quem se revoltasse por não estar contente por pertencer ao Império do tio Filipe Segundo. Quando o tio Filipe Segundo morreu, sucedeu-lhe o seu filho, o tio Filipe Terceiro, mas os problemas continuaram. Entre os povos que não gostavam nada de pertencer ao Império do tio Filipe Terceiro, e que queriam ser independentes, isto é, ter rei um que fosse só de cada um deles, estavam os Países Baixos, a Catalunha, e Portugal.

Um dia, quando os povos da Catalunha se revoltaram, os amigos do João foram ter com ele a Viçosa, no Sul de Portugal, que era onde ele tinha nascido, e onde ele morava, e disseram-lhe:

- João, os da Catalunha estão a revoltar-se, é esta a melhor altura de nos revoltarmos também e tornar-mos a ter o nosso próprio rei. Com a revolta da Catalunha, por um lado, e um grande descontentamento nos Países Baixos, por outro, o tio Filipe terceiro não vai ter possibilidade nenhuma de enfrentar os da Catalunha, os dos Países Baixos, os de Portugal, todos ao mesmo tempo. Quem tem muitos povos para combater, alguns terá de deixar para trás. Nós achamos que o tio Filipe vai querer combater, mais que tudo, a revolta dos povos da Catalunha.

- Também acho, disse o João, mas tenho de pensar no assunto. Se vocês não se importam, voltaremos a falar nesse assunto mais tarde. Agora tenho aí umas composições musicais que gostaria de terminar.

O João tinha nascido em Vila Viçosa e era descendente do rei Manuel, o tal que teve muita sorte, o sortudo. Mas isso já tinha sido há muito tempo, o Império do rei Manuel tinha acabado por ir ter às mãos do tio Filipe, uma vez que o rei Sebastião tinha desaparecido, sem ter filhos, nem netos nem sobrinhos.

Quando era pequeno do que o João mais gostava, além de andar a cavalo e à caça, por montes e vales, era ouvir música. Mais tarde passou a gostar também de escrever música. E escreveu mesmo algumas com valor artístico. O pai dele era o duque de Bragança. Um duque é um parente do rei, a quem o rei tinha dado terras em recompensa dele o ter ajudado. E assim como o filho mais velho do rei, em princípio, sucedia ao pai, também o filho mais velho do duque sucedia ao pai dele. O João, quando sucedeu ao pai, tornou-se duque de Bragança. Como ainda era descendente do rei Manuel, os amigos foram ter com ele para ser ele o rei se a revolta que contavam fazer fosse bem sucedida.

Passado algum tempo, depois de os amigos do João o terem visitado para o convidar a ser o novo rei de Portugal, voltaram os mesmos amigos a Vila Viçosa, e disseram-lhe:

- João, tem paciência, nós sabemos que adoras música, gostas de andar a cavalo, de caçadas, e de boas refeições, mas não podemos esperar muito mais tempo. O tio Filipe Terceiro anda ocupado a combater os povos da Catalunha, que se revoltaram, de modo que temos de nos revoltar nós também, expulsar a duquesa de Mântua de Portugal, que é quem representa o tio Filipe Terceiro aqui em Portugal, e também vamos expulsar o Miguel de Vasconcelos, que é o Secretário dela, é um homem detestável, ninguém gosta dele, provavelmente pegamos nele e jogamo-lo pela janela fora, que achas?

O João, duque de Bragança, coçou a cabeça ao ouvir aquelas palavras, ele não estava lá muito certo se seria uma boa escolha revoltarem-se os portugueses e expulsarem a duquesa e o amigo dela, o Miguel.

(Os nomes das pessoas são mesmo assim: Há pessoas que têm um nome e são boas pessoas, simpáticas, tudo bem, e outras que, com o mesmo nome, são precisamente o contrário. O Miguel Cervantes, por exemplo, foi um dos maiores escritores de todos os tempos. E era espanhol. O Miguel de Vasconcelos era um patife. Mas a generalidade dos Miguéis são boas pessoas e, às vezes, muito importantes.)

Mas, como íamos a contar, o João, duque de Bragança, continuava com dúvidas se devia ou não aceitar o desafio que os amigos lhe colocavam.
Quando estes viram que continuavam as hesitações na cabeça do João, disseram-lhe:

- João, vamos agora mesmo para Lisboa, corremos com a duquesa de Mântua e com o Miguel de Vasconcelos. Seguidamente declaramos que tu és o nosso novo rei. Valeu?

- Concordo, respondeu o João.

Os amigos do João saíram imediatamente a galope para Lisboa. Já era noite, estava muito frio, porque já era o último dia do mês de Novembro, e no mês de Novembro é Inverno, de noite, então, o frio é ainda mais difícil de suportar.

Galoparam toda a noite para chegarem de manhã a Lisboa, os movimentos da corrida aqueciam os músculos dos cavalos mas arrefeciam os corpos dos cavaleiros. Fizeram apenas uma paragem numa estalagem para jantarem um cozido de couves e batatas com carnes de porco; os cavalos descansaram ao mesmo tempo que comeram a palha que lhes deram, e beberam água suficiente para o resto da caminhada.

Atravessaram o rio de Tejo em duas barcaças, e quando o Sol apareceu por detrás deles a dar-lhes os bons dias, tinha passado menos de uma hora desde que tinham iniciado a travessia do tio, já estavam reunidos todos os homens com que tinham combinado assaltar o Paço para expulsar a duquesa de Mântua, o Miguel de Vasconcelos e os outros representantes do tio Filipe Terceiro.

Quando a duquesa de Mântua soube quais eram as intenções dos conspiradores, ficou muito zangada e disse:

- Daqui não saio, a não ser por obediência a ordens do nosso rei Filipe Terceiro!

Respondeu-lhe um dos conspiradores, ainda mais zangado:

- Minha senhora, pedimos-lhe que saia por aquela porta para não nos obrigar a faze-la sair pela janela.

Pensou a duquesa de Mântua que o homem que assim falava era muito capaz de fazer o que dizia, e saiu pela porta a caminho do Paço do tio Filipe Terceiro, em Madrid, para lhe dar conta do que se tinha passado. O Miguel de Vasconcelos, conforme tinha sido previsto, foi atirado pela janela à rua e deve ter ficado bastante magoado.

Expulsos de Portugal os representantes do tio Filipe Terceiro, o João, duque de Bragança, foi aclamado rei de Portugal. Passou a ser o rei João Quarto, o rei João Primeiro também tinha sido convidado pelo povo de Lisboa a ser rei de Portugal, e também ele tinha lutado, com a ajuda do seu amigo Nuno, pela independência de Portugal.

O rei João Quarto foi rei de Portugal durante dezasseis anos, durante os quais teve de lutar pela independência de Portugal, uma vez que o tio Filipe Terceiro não gostou mesmo nada que os amigos dele tivessem expulso a duquesa de Mântua de Portugal, e jogado pela janela fora o Miguel de Vasconcelos. Também teve de lutar pela reconquista de alguns territórios que pertenciam a Portugal e que tinham sido ocupados por outros durante o tempo em que tinham governado Portugal os tios Filipe Primeiro, Filipe Segundo, e Filipe Terceiro.

E, até hoje, Portugal continuou a ser um País independente, um dos países do Mundo que é independente há mais tempo.







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