Saturday, April 08, 2006

 

O REI JOÃO SEGUNDO DERROTA O MOSTRENGO


O que é um mostrengo? Um mostrengo é um monstro, uma coisa enorme e feia que ninguém sabe bem como é mas que mete medo às pessoas.

Portugal é um país pequeno mas está voltado para o mar e com tanto mar à sua volta, não podendo crescer para o outro lado porque aí já tudo pertencia aos seus primos, os reis portugueses lembraram-se de ir descobrir terras que ficassem para lá do mar.

Quando o João nasceu, ele era bisneto do rei João primeiro, o tal que casou com a Filipa e teve vários filhos que fizeram coisas muito importantes, os navegadores portugueses tinham começado a fazer viagens no mar cada vez mais longas e arriscadas. Mas as pessoas que embarcavam nos barcos tinham medo dos monstros que habitavam no mar.

Foi o Henrique, um dos filhos do João primeiro e da Filipa, quem decidiu criar uma escola onde se aprendesse como andar no mar e ir cada vez mais longe, mesmo que tivessem que derrotar o mostrengo que vivia no mar.

- Eu não vou, eu não sou tolo, diziam alguns, amedrontados com o que ouviam dizer acerca dos monstros do mar.
- Não há monstros nenhuns, garanto que não há, afirmava o Henrique.
- Mas eu vi um, dizia um dos homens que tinha ido já várias vezes nessas viagens ao mar, vi com os meus próprios olhos.
- Então conta lá o que é que tu viste, dizia o Henrique.
- Não sei bem, acho que não sei explicar, mas era assim como uma onda grande, muita espuma, a urrar…Uhaaaaaaaa! Uhaaaaaa! Uhaaaaa! Era assim. Metia medo. Tanto medo que deixei de olhar.
- O que tu viste foi uma onda alta, dizia-lhe o Henrique, as ondas altas são ameaçadoras e fazem um ruído tremendo, mas não passam disso. Se não temos cuidado com elas somos engolidos.

No tempo em que o João era criança ainda havia muita gente que acreditava que o mar era habitado por monstros que podiam voltar os barcos e engolir os navegadores. Mas ao João tinham ensinado que não havia monstros nenhuns, e que os navegadores portugueses deviam continuar a navegar para sul de modo a contornar o continente africano e poderem chegar até à Índia.

E porque é que os portugueses queriam chegar à Índia, no outro lado do mundo, indo pelo mar?
Já contámos, quando contámos a história do primeiro rei de Portugal, a história do rei Afonso, o conquistador por Deus, que os árabes tinham ocupado a península ibérica, que é onde fica Portugal, e tinham chegado também até à Índia, conquistando terras que ficam no outro lado do mundo.

Sabia-se que da Índia os árabes traziam muitas coisas que lá havia e não havia na Europa e com isso ganhavam muito dinheiro. Transportavam essas coisas em camelos, por terra, e não era possível para os outros povos utilizar os mesmos caminhos que eles utilizavam. Então os portugueses pensaram:

- Se não podemos ir até à Índia por terra vamos até lá por mar!
E assim começaram as viagens para ir à Índia.

Aqui mesmo ao lado, na península ibérica, os nossos primos, que entretanto se tinham unido e passado a chamarem-se espanhóis, ao verem os portugueses a navegar começaram a fazer o mesmo. Os portugueses então disseram:

- O caminho para o Índia está ser descoberto por nós de modo que vocês se quiserem ir até à Índia têm de ir por outro lado!

Os espanhóis não concordavam mas depois de muitas negociações concordaram: os portugueses iam até à Índia pelo lado de onde nasce o sol, os espanhóis iam pelo lado onde se põe o sol.

E os portugueses rumaram para o nascer do sol navegando para sul para dar a volta lá mesmo em baixo. Mas na ponta de África, lá mesmo em baixo, quando a África faz um bico é que estava o monstro.

- Não há monstro nenhum!, dizia o rei João, que entretanto se passou a chamar rei João segundo porque o João primeiro tinha sido o bisavô dele. Vou provar que não há monstro nem mostrengo nenhum. E chamou o Bartolomeu:

- Bartolomeu vai com três caravelas dobrar o cabo no fim da África. Vamos mostrar ao mundo que não há monstros e que chegaremos à Índia dentro em breve.

O Bartolomeu lá foi comandando a viagem dos três barcos, a que chamavam caravelas. Quando os navegadores que iam com o Bartolomeu se aproximaram da ponta de África, lá mesmo em baixo, o mar estava furioso e as ondas batiam com toda a força nas rochas. Tiveram medo, pudera, quem é que não teria medo, e alguns quiseram logo voltar para trás.

Mas o Bartolomeu não deixou. Foram navegando, navegando, até que o mar acalmou e eles puderam ver que não havia nenhum monstro mas havia um enorme rochedo que parecia um monstro e que não era o rochedo que roncava mas as ondas furiosas quando batiam nele. Voltaram para trás para dar a boa notícia ao rei João segundo: Havia passagem para a Índia, contornando a África, e não havia monstros nenhuns.

Um dia aparece no palácio do rei João segundo, um navegador chamado Colombo. E disse ao rei João segundo:

- Estive a viver nas ilhas da Madeira, casei-me lá com a Filipa e temos um filho, o Diogo, estudei muito acerca de navegação e sou capaz de ir até à Índia navegando para o lado onde se põe o sol. De forma que posso fazer essa viagem se me derem barcos e marinheiros.

O rei João segundo ouviu o Colombo mas não aceitou a proposta dele. O rei João segundo já sabia que podia ir até à Índia pelo lado onde nasce o sol mas não disse nada ao Colombo.

Que fez o Colombo?

Foi até Espanha e fez a mesma oferta aos reis de Espanha. E os reis de Espanha, depois de muitas hesitações, acabaram por aceitar.

E o Colombo lá foi a caminho da Índia navegando para o lado do pôr-do-sol. Navegou, navegou, e um dia encontrou uma terra, umas ilhas, no outro lado do oceano e pensou:

- Cá está a Índia, fica bem mais perto do que aquilo que eu pensava, e voltou para trás para dar a notícia. Na viagem de volta passou por Lisboa para dizer ao rei João segundo:

- Eu bem lhe dizia que ia descobrir a Índia se navegasse para o lado do pôr-do-sol. Não me quis ajudar e agora aquelas terras são do rei de Espanha.

O rei João segundo ouviu-o e não comentou mas mandou dizer aos reis de Espanha que aquelas terras não eram a Índia e que o caminho por mar para a Índia seria descoberto dentro em pouco. Entretanto, aquelas terras, segundo os acordos que tinham sido assinados, pertenciam a Portugal.
Não estiveram os reis de Espanha de acordo com o que dizia o rei João segundo, e, depois de muita discussão fizeram um outro acordo dividindo o mundo ao meio: metade para ti, metade para mim.

A Índia, claro está, ficava na metade de Portugal.

Na outra metade ficava uma terra que viria a ser muito rica e que hoje se chama Estados Unidos da América. Onde fica Washington, onde fica Reston e Whellwright Court.


Mas disso falaremos na próxima história.

João, João, metade da Terra quantas terras são?







Friday, April 07, 2006

 

OS AMIGOS DO JOÃO

O João tinha dois amigos e muito mais amigos.

O que é que isto quer dizer?

Quer dizer que o João tinha dois amigos: o Nuno e o João das Regras. E tinha muitos amigos: o povo de Lisboa.

O João não nasceu para ser rei, o pai dele era o rei Pedro, de que já contámos a história, mas o João, quando era pequeno, não pensava em ser rei quando fosse grande. Ao João tinha sido dito que seria padre, e como era filho de rei, mesmo sendo ainda pequeno, quando ainda só tinha seis anos, fizeram dele logo um chefe da igreja. Seria padre, portanto. Foi viver para o Alentejo, que fica no Sul de Portugal, e lá aprendeu a caçar, ele gostava muito de caçar. O João tinha um irmão mais velho, o Fernando, e esse sim, seria rei.

Mas um dia o rei Fernando, quando estava muito doente, morreu.

Quem é que deveria suceder ao rei Fernando, quem não devia, andava muita gente a discutir o assunto, o João das Regras, que era amigo do João e sabia de leis, por isso é que ele era o João das Regras, disse que os filhos do rei Pedro e da dona Inês não podiam ser reis de Portugal.

Mas o rei Fernando tinha uma filha, a Beatriz, e a Beatriz tinha casado com o rei de Castela, que também se chamava João.

Naqueles tempos os países pertenciam aos reis, de modo que se um rei morria as suas terras passavam a pertencer ao filho mais velho. Então o rei de Castela disse:

- Sou casado com a Beatriz, as terras que foram do rei Fernando passam a ser da Beatriz, passam, portanto, a ser minhas também, porque sou casado com ela.

O João das Regras, no entanto, disse:

- Não senhor, temos cá um filho do rei Pedro, o João, que, esse sim, deve ser o rei de Portugal.

Como não visse que os seus direitos eram reconhecidos, o rei de Castela, o outro João, marido da Beatriz, decidiu invadir Portugal e impor-se, á força, como rei.

É, nesta altura, que aparece o segundo amigo do João: O Nuno.

O Nuno tinha querido ser padre, quando era pequeno, mas o pai dele, que era padre mas talvez não gostasse do que fazia, disse-lhe que o melhor que ele fazia era casar-se com uma mulher rica e governar as terras dela. E o Nuno fez o que o pai lhe disse e tornou-se um homem muito rico.

Tão rico que tinha um grande número de homens que trabalhavam para ele, e, contando com esses homens, o Nuno disse ao João:

- Estou ao teu lado, tenho muita gente que pode lutar a teu lado para fazer de ti o rei de Portugal.

O João tinha algumas dúvidas entre aceitar ser rei ou deixar que o rei de Castela fosse também rei de Portugal.

É então que aparecem os muitos amigos do João: o povo de Lisboa.

O povo de Lisboa não queria aceitar que um rei de fora fosse o rei de Portugal. E fez uma grande manifestação de apoio ao João. O João com a demonstração de apreço das pessoas de Lisboa e do apoio que recebeu dos seus amigos João das Regras e do Nuno decidiu lutar contra o rei invasor, o rei de Castela.

De modo que tendo há muito acabado as guerras com os árabes recomeçou a guerra em Portugal contra os primos castelhanos com a ajuda de muita gente que queria que Portugal fosse um País independente. Os castelhanos queriam tomar conta de Portugal, os portugueses disseram:

- Não! Aqui quem manda, a partir de agora, são os portugueses. Viva o rei João!

E foram para a luta. O rei era o João mas quem comandava as tropas portuguesas era o Nuno. O Nuno era um grande comandante e tinha umas tácticas muito especiais para enfrentar os inimigos. Teve que defrontar as tropas castelhanas em quatro batalhas e ganhou-as todas, mas a mais importante, a mais decisiva, aquela em que os castelhanos sofreram a maior derrota foi a batalha de Aljubarrota.

Após a batalha de Aljubarrota o rei João deixou de temer as invasões dos castelhanos e pôde passar a dedicar-se a governar Portugal em paz.

Mas a história não acaba aqui porque apareceu um outro João, o João de Gaunt, que era duque de Lencastre, um nobre de Inglaterra.

Este João tinha uma filha chamada Filipa. E dizia a quem o queria ouvir:

- Quem quer casar com a Filipinha que é tão rica e bonitinha?

Passava um, passava outro, e ninguém casava com a Filipinha. Até que o nosso rei João disse ao pai da Filipinha:

- Quero eu, quero eu!

E casaram.

Casaram e tiveram muitos filhos:

O Pedro, que viajou que se fartou;
O Duarte, que foi rei;
O Henrique, a quem chamaram “o navegador”, ele não navegou muito, mas pôs muita gente a navegar. Tanta gente que até chegaram á Índia, no outro lado do mundo, mas mais tarde falaremos disto;
E ainda
A Isabel;
O Fernando;
O João;

A dona Filipa, mulher do rei João, era uma senhora muito bem educada e transmitiu aos filhos a sua grande educação. Dessa educação resultou que os filhos se tornaram muito importantes para Portugal.

O que ficou mais conhecido foi o Henrique, o navegador, porque foi com ele que os portugueses se lançaram na aventura de descobrir novas terras e fizeram de Portugal pequeno um Portugal gigante.

Muito importante para a continuação dessa aventura foi outro João, o rei João segundo de Portugal, neto do João primeiro desta história.

Tanto João!
Quantos são?
Quem bem contar, seis serão.


Sunday, April 02, 2006

 

PEDRO NÃO PERDOAVA


Quando o Pedro e os seus primos e amigos entraram na sala de recreio, cansados e transpirados por uma manhã de correrias e lutas na tapada à volta do castelo, atiraram-se para cima de uns bancos de madeira que ali havia à volta, a recuperar.

Na sala estavam a irmã de Pedro, Leonor, ainda muito pequenina, tinha só três anos, e umas primas e amigas mais ou menos da idade de Pedro e dos seus amigos, eles tinham entre dez e doze anos, o Pedro tinha onze. As primas e amigas de Pedro e Leonor estavam a fazer renda e riram-se cochichando com a entrada turbulenta dos rapazes.

Ao fim de algum tempo, sem saberem porquê riam-se elas de um lado, riam-se eles do outro, a Mafalda, que era a mais velha do grupo disse para Pedro, que era o chefe, toda a gente sabia que ele era o chefe, um dia iria ser rei, o rei Pedro:

- Vamos jogar às palavras?

O Pedro não achava muita graça a esses jogos de meninas, de palavras e coisas do mesmo estilo, aliás ele nem sabia de que jogo se tratava, era a primeira vez que ouvia falar naquilo, mas não podia recusar uma proposta da Mafalda, de quem ele gostava muito. Do que ele gostava mesmo era de correr montes e vales a caçar com galgos e falcões. Também gostava muito bailar, talvez até mais do que caçar. Mas não podia deixar de aceitar o desafio da Mafalda, um futuro rei tinha de aceitar todos os desafios, de mais a mais aquele, vindo de quem vinha, de modo que ordenou:

- Vamos jogar às palavras!

E todos obedeceram.

Formaram uma roda, sentados à volta de Leonor que se entretinha a embalar uma pequena boneca, o Pedro ficou de pé, fora da roda. Chefe não deve sentar-se nunca de cócoras, tinham-lhe dito desde pequenino.

Ficaram todos calados à espera que Mafalda iniciasse o jogo.

- O jogo é assim, disse a Mafalda: Eu digo uma lenga-lenga, ganha quem conseguir repeti-la sem se atropelar, dizendo tudo sem se enganar. Valeu?

- O que é uma lenga-lenga? perguntou a Leonor, e os outros riram-se muito.

- Uma lenga-lenga é uma cantilena, explicou a Mafalda.

- O que é uma cantilena? perguntou outra vez a Leonor

- Leonor, pára de fazer perguntas, disse o Pedro e a Leonor calou-se.

- Tomem atenção, disse a Mafalda, e todos ficaram à escuta:

A pata do Pedro
tem patas
com penas
pequenas.
O pato da pata
tem patas
pretas
sem penas

Riram-se todos outra vez, antes de tentarem dizer a cantilena, mas o Pedro ficou furioso.

A Mafalda sabia muito bem que o Pedro era gago, tinha dificuldade em dizer algumas palavras, dizer o p era um martírio. Ninguém lhe perguntava como ele se chamava. Todos sabiam que ele era o Pedro, o futuro rei. Evitava os p, os p punham-no de bochechas cheias e vermelhas, esgravatava com o pé direito no chão para soltar o malfadado p. E a Mafalda tinha tido a ideia marota de o irritar e Pedro não lhe perdoou a ousadia.

Nessa mesma tarde a Mafalda foi expulsa do castelo por ordem do Pedro e nunca mais lá voltou.

Pedro, contudo, ficou muito aborrecido. Ele gostava muito de Mafalda. Se Pedro não fosse um futuro rei talvez ele tivesse falado com a Mafalda no dia seguinte, talvez a Mafalda tivesse pedido desculpas a Pedro, talvez Pedro tivesse desculpado Mafalda, talvez, quem sabe, Mafalda tivesse casado com Pedro, talvez Mafalda tivesse sido rainha e a história teria sido bem diferente. Mas a história não foi por aí, Pedro enamorou-se de muitas outras moças que ele encontrou e com quem bailou. Mas, contudo, nenhuma era, para ele, tão encantadora como Mafalda.

E por ter expulso Mafalda, Pedro nunca mais perdoou a ninguém. Tornou-se justiceiro, julgando e castigando todos os que se comportavam de modo diferente do que ele queria que se comportassem. O rei Pedro, para além de justiceiro, o que mais gostava era de comer, dançar e caçar. Dançava e cantava misturando-se com o povo nas ruas de Lisboa, e o povo adorava-o por isso.

Pedro era filho do rei Afonso quarto. O rei Afonso quarto era filho do rei Dinis e da rainha Santa Isabel. Portanto, o rei Pedro era neto do rei Dinis e da rainha Santa Isabel.

Um dia o rei Afonso quarto, pai de Pedro, chamou-o e disse-lhe:

- Pedro, tens de te casar e queremos que te cases com Constança, uma fidalga espanhola.

Naqueles tempos os reis escolhiam com quem se casariam seus filhos. Pedro obedeceu às ordens do pai e casou-se com Constança mas de quem ele gostava mesmo era de Mafalda. Com Constança tinha vindo para Portugal, Inês, como sua dama de companhia. Quando viu Inês, Pedro achou-a tão bonita quanto Mafalda e, contrariando as indicações do pai, fez de Inês a sua companheira preferida de modo que, com Inês, teve três filhos.

Não ficou o rei Afonso quarto satisfeito que seu filho Pedro, futuro rei, tivesse filhos com Inês, porque receava que desse facto pudessem resultar problemas futuros para a sucessão no trono de Portugal. Aconselhado por fidalgos, seus amigos, o rei Afonso quarto determinou que matassem Inês. Aconteceu, portanto, uma história muito triste em Portugal, naquele tempo.

Pedro, quando soube que a sua amada tinha sido morta por ordem de seu pai, espumou de raiva e prometeu vingar-se quando fosse rei.

E, mais uma vez, Pedro não perdoou. Quando sucedeu a seu pai ordenou que fossem mortos os matadores de Inês e que todos os fidalgos do reino aclamassem Inês como rainha, mesmo estando Inês morta há muito.

Tudo isto porque o Pedro embuchava com os P.

E a pata do Pedro tem patas com penas pequenas e o pato da pata tem patas pretas sem penas.
Ou não?

 

O REI DINIS FEZ TUDO O QUE QUIS


No tempo em que reinou o rei Dinis diziam:

O rei Dinis faz tudo o que quer mas os milagres quem os faz é a mulher.

O rei Dinis era filho do rei Afonso terceiro.
Um dia, ainda o rei Dinis era criança, o pai disse-lhe:

- Dinis, andas a perder muito tempo com esses treinos de espada. O território que havia para reconquistar aos árabes já foi reconquistado, agora temos que te preparar para governares este País em tempo de paz. Já falei com Frei Bento de Jesus, do Convento de Santa Cruz, ele vai aconselhar-te sobre o que devemos fazer para aproveitar da melhor forma as terras de Portugal e dos Algarves.

- Muito bem, meu pai – respondeu Dinis, e começou deste modo a sua preparação para ser rei.

Os primeiros reis de Portugal, a começar pelo rei Afonso primeiro, preocuparam-se com a reconquista de terras aos árabes. Quando Dinis foi chamado a suceder a seu pai, o rei Afonso terceiro, o território de Portugal já ocupava todo o espaço a sul até ao mar e os reis passaram a dizerem-se reis de Portugal e dos Algarves porque o Algarve é a província mais ao sul de Portugal, do outro lado do mar fica o norte de África.

Como tudo o que havia a conquistar já estava conquistado, o rei Dinis dedicou o seu tempo de reinado, que durou 46 anos, a reconstruir o País. As terras haviam sido reconquistadas por seu pai e seus avós, agora competia-lhe a ele reconstruir, conforme os ensinamentos que recebera. Como o seu reinado foi muito longo e havia muito a fazer, após a reconquista, o rei Dinis fez muito, fez mesmo o que quis.
Procedeu à distribuição de terras de modo a que as mesmas fossem cultivadas e as pessoas passassem a residir nelas. Mandou que se desbravassem os matos e se enxugassem os pauis.

O que é um paul?
É um terreno que se encontra alagado por água parada e que pode enxugar-se, quer dizer que pode retirar-se desse terreno essa água parada, de modo a que o mesmo seja utilizado para a produção de alimentos.

Também mandou plantar muitas árvores, sobretudo pinheiros na zona de Leiria, para proteger os terrenos das ondas do mar, dos ventos e das correntes de água que alagavam as terras no Inverno.

O rei Dinis dedicou-se ainda à promoção das Artes e da Cultura criando em Lisboa os Estados Gerais onde se ensinava Teologia, que se ocupa das obras de Deus, Medicina, que se ocupa do tratamento do corpo, e Direito, que se ocupa das leis que regulam as relações entre os homens.

Mas o rei Dinis também foi poeta. Escrevia cantigas de amor às mulheres de quem gostava. Mas como era rei e um rei não podia aparecer como autor de cantigas de amor, ele escrevia esses poemas como se fossem ditos pelas suas amadas. Chamavam a estas cantigas, cantigas de amigo.

Uma dessas cantigas de amigo, talvez a mais conhecida, começa assim:

- Ai flores, ai flores do verde pino
se têm notícias do meu amigo!
Ai Deus, onde está ele?

- Ai flores, ai flores do verde ramo
se têm notícias do meu amado!
Ai Deus, onde está ele?

Talvez ele ao escrever esta cantiga de amigo estivesse a pensar na sua mulher, sozinha, por ele se encontrar muitas vezes a viajar pelo País.

Mas é muito possível que a sua mulher se encontrasse, sobretudo, muito preocupada com os pobres que acorriam ao paço real.

A mulher do rei Dinis era a Isabel, a rainha santa. Santa, porque diziam que fazia milagres. Um milagre é qualquer coisa boa que acontece e não se sabe explicar como é que acontece.

O milagre mais conhecido da rainha santa é o milagre das rosas.

O rei Dinis tinha casado com a Isabel, uma princesa filha dos reis de Aragão, um país que ficava entre Castela e a França e que mais tarde passou a fazer parte de Espanha. Naqueles tempos os filhos dos reis de um país casavam com os filhos dos reis de outros países.

A rainha santa era muito bondosa, muito generosa, o que ela mais gostava era de ajudar os mais pobres. Todos os dias o paço, que era uma espécie de palácio, uma casa grande, onde viviam os reis, era rodeado por gente muito pobre que tinham ouvido dizer que a rainha ajudava muito os pobres dando-lhes tudo o que podia dar.

Por a rainha dar tanto aos mais pobres, o marido, o rei Dinis, começou a ficar preocupado porque receava que, com tanto donativo aos pobres, mais tarde ou mais cedo ficariam também eles, os reis, pobres. Os conselheiros do rei Dinis também andavam muito preocupados com o assunto e diziam isso mesmo ao rei Dinis. Por causa dessas preocupações tinham o rei Dinis dito à rainha santa que deveria deixar de ser tão bondosa, e que as esmolas aos pobres passariam a ser dadas por ele.

A rainha ouviu as recomendações do marido mas não conseguia ver tanta gente pobre à sua volta e continuou a dar-lhes o pão e outras coisas que podia dar. Normalmente, a rainha saía do paço com as dádivas no regaço, que era uma bolsa formada pelo avental que colocava à sua frente e dobrava para si, envolvendo os alimentos que ia distribuir.

Naquele tempo os reis residiam em Coimbra. Um dia, o rei Dinis, quando voltava a casa, depois de uma viagem que tinha feito durante alguns dias ao sul do país, encontrou uma multidão de pobres nas proximidades do paço. Ainda era muito cedo, o sol tinha nascido há pouco, mas já havia uma multidão de gente nas redondezas.

Pensou o rei Dinis que, estando ele fora do paço, a rainha certamente estaria desobedecendo às suas ordens de terminar com a distribuição de esmolas aos pobres e, muito pressurosamente, dirigiu-se ao interior do paço para lhe ralhar por isso.

A rainha, que tinha o hábito de dar um passeio pelo jardim do paço todas as manhãs antes de receber os pobres, tinha colhido algumas rosas, ela gostava muito de rosas, tinha sempre rosas no seu quarto, dirigia-se para dentro de casa, com o regaço cheio, quando o rei Dinis lhe apareceu de repente, sem que ninguém o tivesse anunciado. Normalmente, sempre que o rei se aproximava do paço, a sua presença era anunciada para que todos estivessem nos seus postos para o receberem com aclamações de viva-o-rei.

Não foi o que aconteceu daquela vez. O rei apareceu sem que ninguém o anunciasse e vendo a rainha com o seu regaço cheio perguntou-lhe antes de perguntar outra coisa qualquer:

- Que levas no regaço, Isabel?

- São rosas, Dinis. E, dizendo isto, Isabel abriu o regaço e deixou cair algumas rosas no chão.

Ficou o rei Dinis muito perturbado por aquilo que via, uma vez que esperava surpreender a rainha com o regaço cheio de alimentos para os pobres e o que ela levava no regaço, afinal, eram rosas. E deu-lhe um beijo muito grande.

A partir daquele dia, sempre que a rainha saia do paço com o regaço cheio de alimentos para dar aos pobres e os conselheiros diziam ao rei Dinis que ela continuava a sair do paço com o regaço cheio ele dizia-lhes:

- São rosas, não se preocupem, o que ela leva no regaço são rosas.

E ninguém se atrevia a duvidar do rei. De modo que a rainha continuou a socorrer os pobres como sempre tinha feito.

Foi por isso que ganhou fama de santa, por transformar o pão em rosas ou as rosas em pão, tanto faz, não é?

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