Monday, May 08, 2006

 

A COROA DO REI MANUEL

Rei Manuel, rei Manuel, tens uma coroa de papel!

Não era verdade.

A coroa do rei Manuel era das mais ricas do mundo no tempo em que o rei Manuel viveu. E também não havia, ou não era conhecido o papel na Europa, no tempo em que ele foi rei. Em vez de papel, que hoje usamos e é tão vulgar ver-se por toda a parte em livros, cadernos, jornais, na casa de banho, no tempo do rei Manuel os documentos eram escritos em folhas que não eram do papel que conhecemos hoje.

Mas como ia dizendo, o rei Manuel foi um rei muito rico, mas também muito sortudo. Chamaram-lhe o rei Venturoso porque teve muita sorte, hoje já não se usa muito a palavra venturoso, as palavras como as pessoas vão ficando velhotas, e de vez em quando são substituídas por outras, à escolha de cada pessoa que as usa. Assim uma pessoa com muita sorte, uma pessoa a quem acontecem coisas boas que ela não esperava, era no passado chamada uma pessoa venturosa, hoje diz-se que ela era uma pessoa felizarda, mas os mais jovens dizem que ela era uma sortuda.

E porque é que o rei Manuel foi um sortudo?

O rei Manuel foi um sortudo porque quando ele era pequenino, acabado de nascer, ninguém pensava que ele pudesse vir um dia ser rei. O rei Manuel, a quem lhe perguntasse o que é que queria ser quando fosse crescido, ele teria dito que queria ser um fidalgo da corte, talvez capitão de um navio, talvez um descobridor de outras terras, de encontrar outras gentes, na Índia, por exemplo.

No tempo em que o rei Manuel ainda era pequeno falava-se muito na Índia. Depois de os navegadores portugueses terem descoberto que podiam passar para o lado de lá do continente africano, que não havia nenhum mostrengo no fundo mar que os impedisse de lá chegar por mar, o rei João Segundo mandou preparar uma armada para ir até à Índia.

Mas antes da armada estar pronta para ir para a Índia o rei João Segundo sentiu-se muito doente e, por não ter filhos da rainha Leonor, tinham tido um que morrera por causa de um acidente, nomeou Manuel, que era irmão da rainha Leonor, futuro rei de Portugal. E, deste modo, o Manuel que nunca pensara que poderia ser rei, de um dia para outro não só foi rei como foi rei de um reino que, naquela época, começava a ser muito importante e rico.

Apenas três anos depois de o rei Manuel ter sido aclamado rei de Portugal,

(Viva o rei! Viva o rei!)

os barcos portugueses, comandados por Vasco da Gama, chegaram à Índia, e a partir daí começaram as viagens para cá e para lá, trazendo coisas da Índia, que não existiam na Europa, e que os europeus gostavam muito: tecidos muito ricos, canela e pimenta, nós moscada, coisas a que hoje não damos muito valor, porque entretanto se tornaram mais vulgares, mas que naquele tempo, no tempo do rei Manuel, custavam muito dinheiro.

As relações dos portugueses com os indianos foram, então, tão importantes que os portugueses chegaram a fundar um império português na Índia. Lisboa, a capital de Portugal, que era de onde saíam os barcos para essas viagens, tornou-se muito rica, e o rei Manuel, por ser o rei de um país tão pequeno mas que tinha gente que viajava muito e para tão longe, era muito respeitado em todo o mundo.

Mas há mais!

Dois anos depois de Vasco da Gama e os seus marinheiros terem chegado à Índia, o rei Manuel nomeou um outro comandante, o Pedro Álvares Cabral para ir também à Índia mas disse-lhe, em segredo, ao ouvido:

- Pedro, tu vais à Índia mas a meio do caminho fazes um desvio dos barcos da frota para a direita para ver o que é que há por lá. Disseram-me que podes encontrar terra, e, se assim for um dos barcos deve voltar para trás para me dar notícia e tu segues para a frente com os outros, até à Índia.

E o Pedro assim fez. Saiu de Lisboa, navegou, navegou, navegou, e encontrou terra, e nessa terra umas pessoas que viviam de uma forma que ele não estava habituado: andavam sem roupa, colocavam uns penachos na cabeça, pintavam a cara, não sabiam o que os portugueses lhes diziam nem os portugueses os entendiam. Mas os portugueses gostaram da terra aonde tinham chegado, tinha muitas árvores, muitos pássaros que eles também nunca tinham visto, e sentiram-se tão bem que deram a essa terra o nome de Porto Seguro.

Como o rei Manuel lhe pedira para ele enviar para trás um dos barcos da frota com notícias do que tinham achado, o Pedro assim fez. Ele e os outros seguiram para a Índia.

Quando o comandante do barco da armada de Pedro Álvares Cabral, que voltou para trás depois de ter estado na terra a que eles tinham dado o nome de Porto Seguro, foi dar a notícia ao rei Manuel este não pareceu muito surpreendido e mandou dizer ao reis de Espanha que os seus homens tinham encontrado na viagem para a Índia uma terra que ficava do lado que pertencia a Portugal.

Ao mesmo tempo que os portugueses, também os navegadores espanhóis andavam a tentar descobrir outras terras. Um navegador, que não era espanhol e tinha vivido na Ilha da Madeira, fora até a Espanha falar com os reis de Espanha e dissera-lhes:

- O meu nome é Cristóvão, Cristóvão Colombo, tenho vivido na Ilha da Madeira, onde casei com uma portuguesa e temos um filho. Também estive em Lisboa e conheço muito bem o que os navegadores portugueses andam a fazer. Eles, os portugueses, querem ir até à Índia navegando para o lado em que o sol nasce atrás das montanhas, eu sou capaz de ir até à Índia navegando para o lado em que o sol mergulha no mar! É um caminho mais curto, chaga-se lá muito mais depressa.

Os reis espanhóis ouviram o que lhes disse o Cristóvão e, no princípio, não acreditaram muito no que eles lhes estava a dizer, até porque o Cristóvão já tinha falado no mesmo assunto ao rei de Portugal, que na altura era o rei João Segundo, e o rei João Segundo não tinha querido fazer a viagem que o Cristóvão propunha de ir até à Índia navegando para o lado onde o sol mergulha no mar.

Mas, mais tarde, concordaram os reis espanhóis em pagar a viagem que o Cristóvão se propunha fazer.

E seis anos antes do Vasco da Gama chegar à Índia navegando para o lado onde o sol nasce atrás das montanhas, o Cristóvão foi tentar chagar à Índia pelo lado contrário.

O Cristóvão navegou, navegou, navegou atrás do sol e chegou a uma terra e disse para os homens que o acompanhavam:

- Já chegámos à Índia!

Viram uns homens vestidos de uma forma estranha, a que eles não estavam habituados, quase nus, com penachos na cabeça e as caras pintadas e o Cristóvão disse:

- São os índios!

Não eram nada. Eles não tinham chegado á Índia. Onde eles tinham chegado era a uma terra que muitos anos mais tarde viria a chamar-se Estados Unidos da América.

E a terra que o Pedro Álvares Cabral tinha encontrado, e que ficava, do mesmo lado do Oceano mas muito mais abaixo, aquela terra a que ele chamou Porto Seguro, seria mais tarde chamada Brasil.

O Rei de Portugal passou a ter mais terras para juntar ao pequeno País que é Portugal, mais tarde os reis de Espanha vieram a conquistar outras terras também do lado em que o sol mergulha no mar e todos ficaram muito ricos.
Mas o mais importante nesta história toda é que o mundo ficou a ser mais conhecido, todos ficaram a saber qual era o melhor caminho apara a Índia, que havia terras enormes e ricas do outro lado do mar, acabaram as histórias de monstros e mostrengos, não há monstros nem mostrengos que façam mal aos homens, os homens é que às vezes fazem mal uns aos outros, não há monstros maus, o que há é alguns homens maus.
E tudo isto aconteceu no tempo do rei Manuel e dos seus primos espanhóis. Tanto o rei Manuel como os reis de Espanha foram uns sortudos, portanto.

Só tem sorte quem a sorte procura, não é verdade?

É sempre verdade, depende do sítio onde colocamos as vírgulas. Mas isso já é uma história mais complicada.

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