Wednesday, May 31, 2006

 

PEDRO E MIGUEL


Pedro e Miguel eram dois irmãos. O Pedro era mais velho que o Miguel quatro anos. Tinham irmãs, com quem gostavam de brincar, mas aborreciam-se porque do que elas mais gostavam era brincar com as bonecas. E eles não gostavam muito de bonecas. Gostavam, sobretudo, de correr, jogar à cabra-cega, lutar com espadas de madeira, e andar a cavalo. Desde muito novos foram habituados a andar a cavalo. Quando já eram mais crescidos gostavam de participar em caçadas com o pai e com os amigos do pai. O pai deles era o príncipe João, que mais tarde passou a ser o rei João Sexto, quando a mãe dele, a avó do Pedro e do Miguel morreu.

As caçadas em que participavam eram feitas a cavalo, e eles caçavam veados e raposas, sobretudo, em coutadas do reino, com a ajuda de matilhas de cães que perseguiam os animais a caçar, fazendo um alarido muito grande:

Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au!

O latido dos cães só abrandava quando o animal que os cães perseguiam era apanhado por eles. O Pedro e o Miguel ficavam sempre entusiasmadíssimos com a oportunidade de ver de perto e tocar as raposas e os veados apanhados. Também os alegrava muito ouvir o som das trompas que davam início à corrida, e eram um sinal para se soltarem os cães e todos os caçadores avançarem pelos trilhos combinados.

Muitas vezes, quando ainda eram muito pequenos, o Pedro e o Miguel faziam de conta que eram caçadores e cães ao mesmo tempo, e corriam atrás das irmãs, e de amigos, como se estivessem na tapada:

Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au!

Os que eram apanhados tinham que se deitar imediatamente, ganhava quem apanhasse mais amigos. Normalmente ganhava o Pedro, porque era o mais velho, tinha mais força, e as pernas maiores.

Eram corridas que os deixavam vermelhos de cansaço. Um dia o Pedro, depois de uma destas corridas estafantes, sentiu-se muito mal, e chamaram o médico.

O médico disse que o Pedro não poderia fazer esforços violentos porque sofria de uma doença que não tinha cura, uma doença que os médicos, naquele tempo, não sabiam muito porque acontecia. De repente, sem qualquer razão que se percebesse, o Pedro não conseguia manter-se de pé e contorcia-se como se quisesse ou fosse obrigado a dar uma volta sobre ele mesmo. Quando isto acontecia, o Pedro não conseguia ouvir nem falar com ninguém. Era uma doença muito estranha, que deixava os pais muito preocupados, e o irmão, e as irmãs dele também. Também ficavam muito preocupados os que habitavam no palácio, e o encontravam frequentemente. O Pedro, porque era o filho mais velho do príncipe João, um dia seria rei e não era bom que um rei, sem se saber porquê, de um momento para o outro, não conseguisse ouvir nem falar e se contorcesse todo à vista de toda a gente.

Mas o Pedro, logo que se sentia bem, esquecia a doença e voltava a correr e a saltar com o irmão Miguel, as irmãs, e os amigos que os visitavam.

Um dia, tinha o Pedro nove anos e o Miguel cinco, chegou ao palácio onde eles moravam uma notícia que deixou muito preocupados os pais deles, o príncipe João e a Dona Carlota: as tropas de Napoleão, que já tinham invadido a Espanha, preparavam-se para invadir Portugal.

O Napoleão era um militar, um general francês, que tinha conseguido tornar-se Imperador em França depois de ter conquistado muitos países da Europa. Os reis europeus, naturalmente, não gostavam dele. Onde o Napoleão entrava saía o rei que mandava. Mas, por outro lado, havia muita gente que gostava do Napoleão porque não gostava dos reis que tinham. Em Portugal também havia pessoas que não gostavam do príncipe João, que era quem mandava em Portugal porque a mãe dele, a raínha Maria, estava maluca.

Quem também não gostava nada do Napoleão eram os amigos do príncipe João, e entre esses amigos contavam-se os reis ingleses. De modo que, quando chegaram as notícias de que as tropas do Napoleão queriam entrar em Portugal, os ingleses disseram ao príncipe João que o melhor para ele e para Portugal, era a família do rei e os seus amigos embarcarem em barcos que os levassem até ao Brasil.

O Brasil tinha sido encontrado pelos navegadores portugueses, comandados pelo Pedro Cabral, no tempo do rei Manuel, o Sortudo. Era um país muito grande com muito pouca gente, do outro lado do mar, do lado onde o sol mergulha nas águas do oceano e começa a noite. O príncipe João nunca tinha ido ao Brasil, naquele tempo não havia aviões, quem queria ir ao Brasil tinha de ir de barco. A viagem de barco para o Brasil era muito demorada, os barcos não eram nada confortáveis, muitos passageiros enjoavam com as ondas, às vezes havia tempestades, era muito pouco agradável fazer a travessia do oceano para chegar ao outro lado. O príncipe João, quando lhe disseram para embarcar para o Brasil, porque assim as tropas do Napoleão não poderiam prendê-lo, teve muitas dúvidas e pediu algum tempo para pensar. Pensou, pensou, pensou, e chegou à conclusão que era bem melhor atravessar o mar num barco, mesmo que não tivesse as comodidades a que ele estava habituado no palácio, do que deixar-se prender pelos militares do Napoleão. Chamou a Dona Carlota, e disse-lhe:

- Carlota, manda preparar as malas porque vamos viver para o Brasil por uns tempos.

- Por quanto tempo, João, podes dizer-me? Preciso de saber se tenho de levar roupa para uma semana ou para um mês, ou dois.

- Carlota, temos de levar a roupa toda que possa caber no barco. Vamos ficar lá muito tempo.

E começaram a preparar as malas para a viagem.

O Pedro e o Miguel ficaram entusiasmadíssimos com a perspectiva de uma viagem de barco, e logo uma viagem tão longa.

- Podemos levar as canas de pesca? – perguntaram os dois ao príncipe João.

- Não vale a pena porque há canas de pesca a bordo, os navegadores nunca se esquecem dessas coisas.

E, um dia, a família real e os amigos todos embarcaram em barcos que os levaram até ao Brasil. Nos barcos, durante a viagem, houve uma grande confusão, alguns barcos perderam-se e chegaram mais tarde.

Quando o Pedro e o Miguel desembarcaram no Brasil não fazia muito calor, eles acharam mesmo que a temperatura não era muito diferente daquela a que estavam habituados em Lisboa. Alguns dias depois, no entanto, ficaram a saber que, normalmente, no Brasil faz muito mais calor do que em Portugal e que também costuma chover muito, mesmo quando há calor. Por causa do calor e das chuvas frequentes, as árvores também são diferentes assim como muito diferentes são os pássaros que eles observavam e ouviam com uma curiosidade enorme.

O Pedro e o Miguel já tinham visto papagaios em Lisboa, de cores muito garridas, vermelhos, verdes, amarelos, com os bicos curvados, muito diferentes daqueles que eles viam nas pombas e nos pardais em Portugal. Mas, enquanto os papagaios que eles tinham visto em Lisboa estavam presos a um poleiro e não podiam voar, ali, no Brasil, voavam livremente de umas árvores para as outras, em bandos enormes, fazendo uma gritaria fantástica.

O Pedro gostava muito de ver os pássaros a voar, o Miguel lamentava-se por não os poder agarrar e amarrá-los a um poleiro, como vira em Lisboa. E desta diferença de gostos entre ter os papagaios nas mãos ou de vê-los a voar resultou a primeira desavença séria entre os dois irmãos.

Um dia, o Miguel pediu ao Macário, que era um empregado que trabalhava no Palácio, que lhe apanhasse um papagaio, dos maiores que conseguisse agarrar, de penas azuis e amarelas, se possível. O Macário não percebeu porque queria o Miguel um papagaio se tinha tantos a voar nas árvores do jardim do palácio, mas obedeceu ao pedido do Miguel e apanhou uma linda arara, um papagaio enorme que palrava lindamente. E palrava, porque as araras quando querem dizer alguma coisa umas às outras parece que falam como nós, quando falamos muito.

O Miguel, ficou muito contente por ter uma arara nas suas mãos, e deu-lhe o nome de Carlota, que era o nome da mãe dele. Ia o Miguel colocar a Carlota num poleiro, amarrada por uma corrente, quando o Pedro apareceu. A Carlota, que não percebia porque razão estava o Miguel a tentar colocar-lhe uma anilha no pé esquerdo para a poder prender, quando o Miguel olhou para o Pedro, a Carlota deu uma bicada na mão do Miguel, que a prendia, e voou para uma árvore muito alta ao mesmo tempo que parecia que gritava:

- Liberdade! Liberdade! Liberdade!

Enquanto o Miguel chupava no dedo por causa das dores da bicada, o Pedro ria-se a olhar o voo da arara.

Ficaram zangados um com o outro e, a partir desse dia, passaram a discordar sempre que discutiam acerca de liberdade, tanto das araras como das panteras, tanto dos homens como dos outros bichos. O Miguel queria-os num imenso zoo; o Pedro queria-os em liberdade a caminhar, a correr, a nadar, e a voar.

Até que um dia se soube no Brasil que os soldados do Napoleão tinham sido derrotados e obrigados a voltar a França. Nessa altura, o princípe João já era o rei João Sexto, e o seu filho Pedro seria o futuro rei. Como os franceses já tinham ido embora, o rei João Sexto voltou para Portugal e deixou o Pedro no Brasil a dirigir o governo.

Como as araras, os brasileiros, também não gostavam de estar amarrados a Portugal, e alguns deles foram dizer isso mesmo ao Pedro. E o Pedro pensou:

- Se as araras são muito mais vistosas a voar do que amarradas, os brasileiros também ficarão mais contentes se não estiverem ligados a Portugal. E até voarão melhor. Já se sabe que os brasileiros não voam, mas era como se voassem.

E um dia disse:

- Liberdade para o Brasil! Viva o Brasil independente! Viva!

E, dizendo isto, tornou o Brasil independente de Portugal, o que quer dizer que cortou as ligações que os prendiam um ao outro, e tornou-se o primeiro Imperador do Brasil, que é uma espécie de rei, mas maior, o Imperador Pedro Primeiro do Brasil.
Mas como o Imperador Pedro Primeiro sofria de uma doença muito grave, morreu quando ainda era muito novo. Sucedeu-lhe o seu filho, o Imperador Pedro Segundo, que viveu muitos anos e foi um grande imperador de um grande país: o Brasil.

O Brasil é hoje um dos maiores países do mundo e todos os brasileiros falam a mesma língua, a língua dos portugueses.
E as araras, a voar, palram quando querem cantar; as araras, se estão presas, palram para protestar.



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