Sunday, April 02, 2006

 

PEDRO NÃO PERDOAVA


Quando o Pedro e os seus primos e amigos entraram na sala de recreio, cansados e transpirados por uma manhã de correrias e lutas na tapada à volta do castelo, atiraram-se para cima de uns bancos de madeira que ali havia à volta, a recuperar.

Na sala estavam a irmã de Pedro, Leonor, ainda muito pequenina, tinha só três anos, e umas primas e amigas mais ou menos da idade de Pedro e dos seus amigos, eles tinham entre dez e doze anos, o Pedro tinha onze. As primas e amigas de Pedro e Leonor estavam a fazer renda e riram-se cochichando com a entrada turbulenta dos rapazes.

Ao fim de algum tempo, sem saberem porquê riam-se elas de um lado, riam-se eles do outro, a Mafalda, que era a mais velha do grupo disse para Pedro, que era o chefe, toda a gente sabia que ele era o chefe, um dia iria ser rei, o rei Pedro:

- Vamos jogar às palavras?

O Pedro não achava muita graça a esses jogos de meninas, de palavras e coisas do mesmo estilo, aliás ele nem sabia de que jogo se tratava, era a primeira vez que ouvia falar naquilo, mas não podia recusar uma proposta da Mafalda, de quem ele gostava muito. Do que ele gostava mesmo era de correr montes e vales a caçar com galgos e falcões. Também gostava muito bailar, talvez até mais do que caçar. Mas não podia deixar de aceitar o desafio da Mafalda, um futuro rei tinha de aceitar todos os desafios, de mais a mais aquele, vindo de quem vinha, de modo que ordenou:

- Vamos jogar às palavras!

E todos obedeceram.

Formaram uma roda, sentados à volta de Leonor que se entretinha a embalar uma pequena boneca, o Pedro ficou de pé, fora da roda. Chefe não deve sentar-se nunca de cócoras, tinham-lhe dito desde pequenino.

Ficaram todos calados à espera que Mafalda iniciasse o jogo.

- O jogo é assim, disse a Mafalda: Eu digo uma lenga-lenga, ganha quem conseguir repeti-la sem se atropelar, dizendo tudo sem se enganar. Valeu?

- O que é uma lenga-lenga? perguntou a Leonor, e os outros riram-se muito.

- Uma lenga-lenga é uma cantilena, explicou a Mafalda.

- O que é uma cantilena? perguntou outra vez a Leonor

- Leonor, pára de fazer perguntas, disse o Pedro e a Leonor calou-se.

- Tomem atenção, disse a Mafalda, e todos ficaram à escuta:

A pata do Pedro
tem patas
com penas
pequenas.
O pato da pata
tem patas
pretas
sem penas

Riram-se todos outra vez, antes de tentarem dizer a cantilena, mas o Pedro ficou furioso.

A Mafalda sabia muito bem que o Pedro era gago, tinha dificuldade em dizer algumas palavras, dizer o p era um martírio. Ninguém lhe perguntava como ele se chamava. Todos sabiam que ele era o Pedro, o futuro rei. Evitava os p, os p punham-no de bochechas cheias e vermelhas, esgravatava com o pé direito no chão para soltar o malfadado p. E a Mafalda tinha tido a ideia marota de o irritar e Pedro não lhe perdoou a ousadia.

Nessa mesma tarde a Mafalda foi expulsa do castelo por ordem do Pedro e nunca mais lá voltou.

Pedro, contudo, ficou muito aborrecido. Ele gostava muito de Mafalda. Se Pedro não fosse um futuro rei talvez ele tivesse falado com a Mafalda no dia seguinte, talvez a Mafalda tivesse pedido desculpas a Pedro, talvez Pedro tivesse desculpado Mafalda, talvez, quem sabe, Mafalda tivesse casado com Pedro, talvez Mafalda tivesse sido rainha e a história teria sido bem diferente. Mas a história não foi por aí, Pedro enamorou-se de muitas outras moças que ele encontrou e com quem bailou. Mas, contudo, nenhuma era, para ele, tão encantadora como Mafalda.

E por ter expulso Mafalda, Pedro nunca mais perdoou a ninguém. Tornou-se justiceiro, julgando e castigando todos os que se comportavam de modo diferente do que ele queria que se comportassem. O rei Pedro, para além de justiceiro, o que mais gostava era de comer, dançar e caçar. Dançava e cantava misturando-se com o povo nas ruas de Lisboa, e o povo adorava-o por isso.

Pedro era filho do rei Afonso quarto. O rei Afonso quarto era filho do rei Dinis e da rainha Santa Isabel. Portanto, o rei Pedro era neto do rei Dinis e da rainha Santa Isabel.

Um dia o rei Afonso quarto, pai de Pedro, chamou-o e disse-lhe:

- Pedro, tens de te casar e queremos que te cases com Constança, uma fidalga espanhola.

Naqueles tempos os reis escolhiam com quem se casariam seus filhos. Pedro obedeceu às ordens do pai e casou-se com Constança mas de quem ele gostava mesmo era de Mafalda. Com Constança tinha vindo para Portugal, Inês, como sua dama de companhia. Quando viu Inês, Pedro achou-a tão bonita quanto Mafalda e, contrariando as indicações do pai, fez de Inês a sua companheira preferida de modo que, com Inês, teve três filhos.

Não ficou o rei Afonso quarto satisfeito que seu filho Pedro, futuro rei, tivesse filhos com Inês, porque receava que desse facto pudessem resultar problemas futuros para a sucessão no trono de Portugal. Aconselhado por fidalgos, seus amigos, o rei Afonso quarto determinou que matassem Inês. Aconteceu, portanto, uma história muito triste em Portugal, naquele tempo.

Pedro, quando soube que a sua amada tinha sido morta por ordem de seu pai, espumou de raiva e prometeu vingar-se quando fosse rei.

E, mais uma vez, Pedro não perdoou. Quando sucedeu a seu pai ordenou que fossem mortos os matadores de Inês e que todos os fidalgos do reino aclamassem Inês como rainha, mesmo estando Inês morta há muito.

Tudo isto porque o Pedro embuchava com os P.

E a pata do Pedro tem patas com penas pequenas e o pato da pata tem patas pretas sem penas.
Ou não?

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