Sunday, April 02, 2006

 

O REI DINIS FEZ TUDO O QUE QUIS


No tempo em que reinou o rei Dinis diziam:

O rei Dinis faz tudo o que quer mas os milagres quem os faz é a mulher.

O rei Dinis era filho do rei Afonso terceiro.
Um dia, ainda o rei Dinis era criança, o pai disse-lhe:

- Dinis, andas a perder muito tempo com esses treinos de espada. O território que havia para reconquistar aos árabes já foi reconquistado, agora temos que te preparar para governares este País em tempo de paz. Já falei com Frei Bento de Jesus, do Convento de Santa Cruz, ele vai aconselhar-te sobre o que devemos fazer para aproveitar da melhor forma as terras de Portugal e dos Algarves.

- Muito bem, meu pai – respondeu Dinis, e começou deste modo a sua preparação para ser rei.

Os primeiros reis de Portugal, a começar pelo rei Afonso primeiro, preocuparam-se com a reconquista de terras aos árabes. Quando Dinis foi chamado a suceder a seu pai, o rei Afonso terceiro, o território de Portugal já ocupava todo o espaço a sul até ao mar e os reis passaram a dizerem-se reis de Portugal e dos Algarves porque o Algarve é a província mais ao sul de Portugal, do outro lado do mar fica o norte de África.

Como tudo o que havia a conquistar já estava conquistado, o rei Dinis dedicou o seu tempo de reinado, que durou 46 anos, a reconstruir o País. As terras haviam sido reconquistadas por seu pai e seus avós, agora competia-lhe a ele reconstruir, conforme os ensinamentos que recebera. Como o seu reinado foi muito longo e havia muito a fazer, após a reconquista, o rei Dinis fez muito, fez mesmo o que quis.
Procedeu à distribuição de terras de modo a que as mesmas fossem cultivadas e as pessoas passassem a residir nelas. Mandou que se desbravassem os matos e se enxugassem os pauis.

O que é um paul?
É um terreno que se encontra alagado por água parada e que pode enxugar-se, quer dizer que pode retirar-se desse terreno essa água parada, de modo a que o mesmo seja utilizado para a produção de alimentos.

Também mandou plantar muitas árvores, sobretudo pinheiros na zona de Leiria, para proteger os terrenos das ondas do mar, dos ventos e das correntes de água que alagavam as terras no Inverno.

O rei Dinis dedicou-se ainda à promoção das Artes e da Cultura criando em Lisboa os Estados Gerais onde se ensinava Teologia, que se ocupa das obras de Deus, Medicina, que se ocupa do tratamento do corpo, e Direito, que se ocupa das leis que regulam as relações entre os homens.

Mas o rei Dinis também foi poeta. Escrevia cantigas de amor às mulheres de quem gostava. Mas como era rei e um rei não podia aparecer como autor de cantigas de amor, ele escrevia esses poemas como se fossem ditos pelas suas amadas. Chamavam a estas cantigas, cantigas de amigo.

Uma dessas cantigas de amigo, talvez a mais conhecida, começa assim:

- Ai flores, ai flores do verde pino
se têm notícias do meu amigo!
Ai Deus, onde está ele?

- Ai flores, ai flores do verde ramo
se têm notícias do meu amado!
Ai Deus, onde está ele?

Talvez ele ao escrever esta cantiga de amigo estivesse a pensar na sua mulher, sozinha, por ele se encontrar muitas vezes a viajar pelo País.

Mas é muito possível que a sua mulher se encontrasse, sobretudo, muito preocupada com os pobres que acorriam ao paço real.

A mulher do rei Dinis era a Isabel, a rainha santa. Santa, porque diziam que fazia milagres. Um milagre é qualquer coisa boa que acontece e não se sabe explicar como é que acontece.

O milagre mais conhecido da rainha santa é o milagre das rosas.

O rei Dinis tinha casado com a Isabel, uma princesa filha dos reis de Aragão, um país que ficava entre Castela e a França e que mais tarde passou a fazer parte de Espanha. Naqueles tempos os filhos dos reis de um país casavam com os filhos dos reis de outros países.

A rainha santa era muito bondosa, muito generosa, o que ela mais gostava era de ajudar os mais pobres. Todos os dias o paço, que era uma espécie de palácio, uma casa grande, onde viviam os reis, era rodeado por gente muito pobre que tinham ouvido dizer que a rainha ajudava muito os pobres dando-lhes tudo o que podia dar.

Por a rainha dar tanto aos mais pobres, o marido, o rei Dinis, começou a ficar preocupado porque receava que, com tanto donativo aos pobres, mais tarde ou mais cedo ficariam também eles, os reis, pobres. Os conselheiros do rei Dinis também andavam muito preocupados com o assunto e diziam isso mesmo ao rei Dinis. Por causa dessas preocupações tinham o rei Dinis dito à rainha santa que deveria deixar de ser tão bondosa, e que as esmolas aos pobres passariam a ser dadas por ele.

A rainha ouviu as recomendações do marido mas não conseguia ver tanta gente pobre à sua volta e continuou a dar-lhes o pão e outras coisas que podia dar. Normalmente, a rainha saía do paço com as dádivas no regaço, que era uma bolsa formada pelo avental que colocava à sua frente e dobrava para si, envolvendo os alimentos que ia distribuir.

Naquele tempo os reis residiam em Coimbra. Um dia, o rei Dinis, quando voltava a casa, depois de uma viagem que tinha feito durante alguns dias ao sul do país, encontrou uma multidão de pobres nas proximidades do paço. Ainda era muito cedo, o sol tinha nascido há pouco, mas já havia uma multidão de gente nas redondezas.

Pensou o rei Dinis que, estando ele fora do paço, a rainha certamente estaria desobedecendo às suas ordens de terminar com a distribuição de esmolas aos pobres e, muito pressurosamente, dirigiu-se ao interior do paço para lhe ralhar por isso.

A rainha, que tinha o hábito de dar um passeio pelo jardim do paço todas as manhãs antes de receber os pobres, tinha colhido algumas rosas, ela gostava muito de rosas, tinha sempre rosas no seu quarto, dirigia-se para dentro de casa, com o regaço cheio, quando o rei Dinis lhe apareceu de repente, sem que ninguém o tivesse anunciado. Normalmente, sempre que o rei se aproximava do paço, a sua presença era anunciada para que todos estivessem nos seus postos para o receberem com aclamações de viva-o-rei.

Não foi o que aconteceu daquela vez. O rei apareceu sem que ninguém o anunciasse e vendo a rainha com o seu regaço cheio perguntou-lhe antes de perguntar outra coisa qualquer:

- Que levas no regaço, Isabel?

- São rosas, Dinis. E, dizendo isto, Isabel abriu o regaço e deixou cair algumas rosas no chão.

Ficou o rei Dinis muito perturbado por aquilo que via, uma vez que esperava surpreender a rainha com o regaço cheio de alimentos para os pobres e o que ela levava no regaço, afinal, eram rosas. E deu-lhe um beijo muito grande.

A partir daquele dia, sempre que a rainha saia do paço com o regaço cheio de alimentos para dar aos pobres e os conselheiros diziam ao rei Dinis que ela continuava a sair do paço com o regaço cheio ele dizia-lhes:

- São rosas, não se preocupem, o que ela leva no regaço são rosas.

E ninguém se atrevia a duvidar do rei. De modo que a rainha continuou a socorrer os pobres como sempre tinha feito.

Foi por isso que ganhou fama de santa, por transformar o pão em rosas ou as rosas em pão, tanto faz, não é?

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?