Sunday, January 01, 2006

 

DOM CARACOL

Meu Caro Miguel,

Sítio da Couve Tenrinha, 2005-12-25
Bom dia!

Sou o Caracol, não sei se te recordas de mim, daquele caracol às riscas pretas e amarelas que encontraste na aldeia, durante o Verão, quando vieste até cá? Sou esse!!! Hi!Hi!

Achei piada que não conhecesses os caracóis, parece que na cidade onde vives não há caracóis; por aqui, como viste, há caracóis por toda a parte, de todas as cores e tamanhos, estou a exagerar, claro, não conheço caracóis às riscas vermelhas, o que não quer dizer que não existam, eu é que nunca vi nenhum. Também não há caracóis de todos os tamanhos, há caracóis do meu tamanho, outros mais pequenos porque são mais novos e ainda estão a crescer, como tu e a Rita, há também uns caracóis maiores, castanhos, a que as pessoas chamam caracolas ou caracoletas, mas eu não sei porquê.

Um dia, um destes caracolas, que eu encontrei em cima de uma folha de couve, entendeu que eu não podia tomar ali o meu pequeno almoço ao pé dele e eu perguntei-lhe porquê. Respondeu-me ele com voz grossa:
- Eu cheguei primeiro, vai comer para outro lado!

O que era verdade, ele tinha chegado primeiro, como sabes nós, os caracóis deslocamo-nos muito de vagar, os maiores andam mais depressa, logo chegam primeiro, é natural, não tenho culpa de ser mais pequeno do que ele, não achas?, e a couve era suficientemente grande para nós os dois, mas nem discuti, não valia a pena. Não vale a pena discutir com a nossa razão contra a força dos mais fortes, não achas?, o melhor mesmo é ir procurar outro caminho. Foi o que eu fiz: deslizei o mais depressa que pude dali para a parte debaixo da folha. E comecei a tomar, descansado, o meu pequeno almoço.
Estava o caracola a comer o seu pequeno almoço de um lado da couve e eu a tomar o meu do outro lado quando a folha começou a dar de lado, isto é, a contorcer-se para baixo. Quando isto aconteceu eu procurei-me agarrar o mais que podia e quando mais eu me agarrava mais a folha se contorcia, a folha contorcia-se e eu agarrava-me, eu agarrava-me e a folha contorcia-se. Até que, plof! a folha se contorceu tanto, tanto, tanto, que o caracola caiu no chão.

Todos os caracóis que estavam na couve se puseram a rir às gargalhadas. Como sabes, as pessoas gostam de se rir com as quedas dos outros, é lamentável mas é o que acontece. Eu não me ri mas, devo confessar-te, que disse para comigo, foi bem feito, embora não tivesse feito de propósito, se ele me tivesse deixado comer o meu pequeno almoço ao pé dele, do mesmo lado da folha, nada daquilo teria acontecido .

A partir desse dia todos os caracóis das redondezas começaram a olhar para mim com muito respeito, eles andavam todos amedrontados com o caracola e acharam que eu me tinha comportado como um herói, o que não era verdade, eu apenas tinha querido segurar-me à folha para comer o meu pequeno almoço, mas parece que os heróis muitas vezes são heróis à força, também foi esse o meu caso.

Como vez, eu já era muito conhecido e respeitado quando tu apareceste na aldeia e reparaste em mim. Como não me conhecias nem nunca tinhas visto um caracol ficaste muito admirado e ficaste a olhar demoradamente para mim. Os outros caracóis que por ali andavam ficaram, naturalmente, intrigados por que razão tu tinhas reparado em mim e não neles. Evidentemente, foi por uma questão de sorte. Andavam por ali tantos caracóis que tanto podias ter reparado em mim como neles, mas nesta vida a sorte tem muita força, não é? De qualquer modo, eu percebi que ao reparares em mim estavas a reparar nos caracóis todos deste mundo uma vez que, até aquele dia, nunca tinhas visto nenhum. Foi isso mesmo que eu depois lhes expliquei e eles ficaram muito satisfeitos. Ficaram menos satisfeitos, no entanto, porque depois tu me tiraste uma fotografia a mim e não tiraste a eles.

Para que todos ficassem contentes prometi-lhes que iria escrever-te esta carta e pedir que, no próximo Verão, venhas até cá, tragas a máquina fotográfica e tires uma fotografia à caracolada toda. Valeu? Se não eles perdem-me o respeito e deixam de me tratar por Dom Caracol.

Sim, já me faltava explicar-te que, depois de ter derrubado um caracola e ter sido fotografado por ti, a caracolada toda passou-me a tratar por Dom Caracol. Hi!Hi!Hi! Não achas que sou muito cool?

Um abraço e Bom Natal e Bom Ano Novo! Recebeste muitas prendas do Pai Natal? Ao caracola, o Pai Natal deixou um pára-quedas, hi!hi!hi! A mim deu-me um barrete e uma camisola para o Inverno e umas luvas; a camisola faz-me jeito, o barrete assim assim, mas as luvas, para que quer um caracol as luvas, podes explicar-me?

Sempre teu

Caracol





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