Saturday, December 17, 2005

 

O PÍFARO MÁGICO

O pífaro estava arrumadinho no baú dos brinquedos, a um canto, muito tímido, muito sossegado, receoso que alguém lhe tocasse e o quebrasse. Tinha muitos anos e era de barro. E, como se sabe, o barro parte-se facilmente, basta deixar cair um prato ao chão e, plof!, o parto parte-se, não é?

Hoje os brinquedos são muito mais resistentes, podemos deixá-los cair, arrumá-los para o baú em cima uns dos outros e não há problema, não se partem com facilidade. Mas no tempo em que o pífaro foi feito, os brinquedos eram muito mais frágeis, o que quer dizer que, se não tivéssemos cuidado, partiam-se e ficava-se sem brinquedo.

Ora o pífaro, já se disse, era de barro e por isso vivia muito encolhido num canto do baú dos brinquedos do Jack.

Um dia, pelo Natal, ofereceram uma flauta ao Jack. Ele já tinha uma guitarra mas, já se sabe, as pessoas gostam de oferecer coisas umas às outras e às tantas oferecem coisas a mais. Porque se o Jack já tinha um pífaro e uma guitarra, uma flauta passaria, talvez, a estar a mais porque não se pode tocar ao mesmo tempo uma flauta e uma guitarra. Mas o que é que se pode fazer se as pessoas nos continuam a oferecer coisas?

Tanto mais que o Jack, para além do pífaro, que era um antigo brinquedo que já vinha do tempo do seu avô Charlie e com o qual toda a gente tinha muito cuidado para que não se partisse, tinha uma guitarra e uma flauta, já tinha dois xilofones, dois ou três tambores, uma harmónica, um piano eléctrico e outro sem ser eléctrico e muitos outros brinquedos que não eram instrumentos musicais.

O Jack soprou na flauta, achou que tinha um som lindíssimo, mas como tinha ao mesmo tempo recebido cinco automóveis, dois carros de bombeiros, um carro do lixo, uma ambulância, mais duas garagens porque já tinha uma, e várias outras coisas, soprou na flauta dez segundos e em mais três segundos mandou a flauta para o baú para poder brincar também com os outros brinquedos.

Onde é que havia de ir parar a flauta?

Claro, estava-se mesmo a ver, foi parar junto ao pífaro.

O pífaro encolheu-se todo quando viu a flauta cair-lhe quase em cima e suspirou de alívio por ela ter caído ao lado. A flauta era lindíssima, da cor da prata, brilhante, muito vaidosa das suas linhas metálicas. O pífaro de barro, ao lado dela, parecia o parente pobre da mesma família.

- Olá! disse a flauta ao olhar para o pífaro, eu sou a Flauta Mágica!

- Muito prazer em conhecer-te, disse o pífaro, eu sou o Pífaro Mágico!

- Não sabia que havia pífaros mágicos, disse a flauta mágica, só conhecia
flautas mágicas.

- Pois é, disse o pífaro mágico, mas também há pífaros mágicos. Há sempre
muito mais coisas do que aquelas que nós conhecemos.

- Nós, as flautas, somos mágicas porque encantamos serpentes e dragões.
Na Índia, por exemplo, os domadores de serpentes tocam as suas flautas e
as serpentes começam a subir, a subir, a subir ao encontro da música.

- A mim, disseram-me, disse o pífaro, que as serpentes são surdas, não
podem ouvir a música …

- E é verdade que não podem, disse a flauta, e por isso é que a magia é
muito maior, não achas? Repara bem: a flauta toca, a serpente não ouve
mas vê a música a sair da flauta e sobe ao encontro da flauta. Não achas
fantástico?

- É interessante, realmente, concordou o pífaro.

- Mas há mais, disse a flauta muito entusiasmada, as flautas também
encantam os dragões da Rainha da Noite. A Rainha da Noite não queria
que a Princesa casasse com o Príncipe e mandou o dragão combater o
o Príncipe mas este tinha uma flauta mágica e a Rainha da Noite não
sabia. Então o Príncipe, quando já estava completamente apanhado pelo
dragão, que vomitava fogo e fumo por todos os lados, começou a tocar a
flauta mágica…
…Começou a tocar a flauta mágica e … o dragão desfez-se em pedaços!

- Incrível !, exclamou o pífaro admirado com a força da música da flauta.

- Parece incrível mas é verdade!, disse a flauta. E mais: A música da flauta
não só destruiu o dragão como destruiu, sabes quem? …A própria Rainha
da Noite! Ficou tudo em pedaços! Dragão, Rainha da Noite, tudo!

- E depois?, perguntou o pífaro horrorizado com tantos pedaços.

- Depois o Príncipe casou com a Princesa e foram muito felizes, disse a
flauta. É sempre assim que acabam as histórias dos príncipes e das
princesas, não sabias?

- Nós os pífaros somos mais modestos, não servimos para histórias de
príncipes e princesas. Quem compra um pífaro de barro é porque
não tem dinheiro para comprar uma flauta prateada e bonita como tu…

- Achas?, disse a flauta muito feliz com o piropo. Achas mesmo que sou
bonita?

- És lindíssima!, disse o pífaro e a flauta ficou ainda mais contente.
Eu estou velho e, como sou de barro, valho pouco, continuou o pífaro.
Mas já fui mágico, há muitos anos…

Um dia, era véspera de Natal, a senhora Parker quis comprar uma flauta
para o Pai Natal oferecer ao seu filho, o Charlie, uma flauta assim tão linda como tu, talvez nem
tanto. O Charlie tinha cinco anos de idade, era um menino muito bem
comportado, gostava muito de ouvir música, e tinha pedido uma flauta ao
Pai Natal. Mas a senhora Parker não tinha dinheiro suficiente para
comprar a flauta mais bonita que havia na loja, ainda pensou comprar uma
outra flauta menos bonita e mais barata mas o dinheiro, mesmo assim,
não chegava. De modo que comprou um pífaro, comprou-me a mim.

Passou por casa do Pai Natal e disse-lhe:

- O meu filho Charlie gosta muito de música e queria uma flauta para poder
tocar mas eu não tenho dinheiro que chegue para comprar uma flauta e
tive de comprar um pífaro. Espero que ele, de qualquer modo, fique feliz.
Será que o Pai Natal pode ir lá entregar o pífaro amanhã de amanhã cedo?
Mas tem de ser muito cedo porque o Charlie não vai conseguir dormir toda a
noite e vai levantar-se muito cedo! Também não se esqueça de comer uns biscoitinhos e beber
um chocolate que lhe vou deixar para si, Pai Natal!

O Pai Natal ouviu a senhora Parker com toda a atenção e depois disse com
um sorriso: Vá descansada senhora Parker. Esta manhã, antes do Charlie se levantar, vou lá a casa entregar a flauta que o Charlie pediu ao Pai Natal. E não vou, com certeza, esquecer-me de comer os seus biscoitos e beber o chocolate, está cá um frio!
E, realmente, na manhã seguinte, o Charlie levantou-se muito cedo para ver que presentes tinha recebido do Pai Natal. Foi pé ante pé para não acordar ninguém e ficou tão delirante com o que viu, tão excitado que gritou e acordou tudo em redor:

- Uma flauta! O Pai Natal trouxe-me uma flauta! É linda!
E começou a tocar…a tocar…a tocar, não parava de tocar.

- Charlie, dizia-lhe a mãe, pára de tocar, são horas de almoço!
- Charlie, dizia outra vez a mãe, pára de tocar, são horas de jantar!
- Charlie, são horas de ires para a escola!

Mas ele tocava …tocava … O Charlie não tinha outros brinquedos, tinha aquele, só aquele, nunca tivera outro, sentia-se tão feliz com a sua flauta!
E quando parava de tocar, afinal o Charlie também tinha de ir à escola, de tomar o pequeno-almoço, de almoçar, de jantar, colocava a sua flauta com muito cuidado na mesinha de cabeceira, não fosse alguém tocar-lhe a quebrá-la.

A flauta ouvia, ouvia, ouvia o pífaro e começou a ficar intrigada com a história que o pífaro estava a contar.

- Espera aí, interrompeu então a flauta a história do pífaro, tu não disseste que a mãe do Charlie, a senhora Parker, tinha comprado um pífaro, aliás, tu mesmo? Como é que o Pai Natal deu uma flauta ao Charlie e quem agora está aqui és tu, um pífaro?!
- Um pífaro mágico!- recordou o pífaro à flauta.

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